postado em 08/07/2011 20:18
Rio de Janeiro ; Ao cumprir ação de reintegração de posse, oficiais de Justiça lacraram nesta sexta-feira (8/7) a entrada principal da Vila Sacopã - comunidade quilombola localizado no Bairro da Lagoa, na zona sul do Rio de Janeiro. Os moradores da vila fizeram uma manifestação e convocaram autoridades e estudiosos dos direitos do negros para comprovar suas origens. Mesmo assim, não conseguiram evitar o cumprimento da decisão judicial.Instalados em uma das regiões mais nobres da cidade, os quilombolas - também conhecidos como Família Pinto - foram citados em ação movida em 1989. Um condomínio de luxo vizinho ao quilombo reivindica a área de entrada da comunidade. A ação teve desdobramento hoje, quando os oficiais lacraram a entrada da vila. A comunidade anunciou que recorrerá da decisão por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Segundo o presidente da associação de 32 moradores, Luiz Sacopã, a decisão judicial fere o Artigo 68 da Constituição. "Eles [condomínios] estão inconformados com nossa permanência. Querem nos privar de nossos direitos. Não atrapalhamos ninguém. Fazemos nossas quentinhas e nossa feijoada. Somos queridos por artistas e outros moradores da zona sul."
Representando os condomínios da Ladeira Sacopã, a Associação de Moradores da Fonte da Saudade apoiou a ação dos oficiais de Justiça. Contrária à ocupação, a entidade contesta a origem do grupo. De acordo com a presidente Ana Sima, as famílias não nasceram no local. Ela disse ainda que a principal preocupação é com o desmatamento na vila, localizada em área de proteção ambiental.
"Ainda que eles sejam quilombolas, não podem desmatar;, disse Ana, acrescentando que os condomínios estão sendo responsabilizadas pelo desmatamento autorizado pela prefeitura anos atrás. "Estou cansada de ser acusada de elite preconceituosa.;
A comunidade negou o desmatamento e assinala que é vigiada constantemente pela prefeitura. Para os quilombolas, as denúncias são uma manobra para obrigá-los a sair da área.
De acordo com o professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio José Maurício Arruti, o fato de uma das famílias da comunidade não ter nascido no local não é problema. Especialista na assunto, ele disse que nem todos os quilombos são originários de grupos de escravos fugidos. A trajetória dos remanescentes, completou, está ligada a movimentos de resistência.
"Eles não são plantas. Não brotaram do chão. São grupos que se constituíram no pós-abolição, em processos de expulsão de terras;, disse Arruti. ;A família Silva tem integrantes originários de fazendas da atual zona sul, que formaram o quilombo. Na época, a Lagoa era um charco, totalmente desvalorizada. Tanto que a comunidade Sacopã se estabeleceu no alto.;
As contestações dos condomínios e de imobiliárias também não impediram o Incra de avançar com a regularização fundiária da comunidade. O coordenador do Serviço de Quilombos do Incra no Rio, Miguel Pedro Cardoso, que tentou impedir a ação dos oficiais de Justiça na tarde de hoje, assinalou que o processo contra os moradores da vila não levou em conta o reconhecimento dos órgãos federais.
"O Incra acabou de julgar improcedente as contestações dos confrontantes [vizinhos e uma imobiliária que se diz dona do terreno] e vai partir para emissão da portaria de reconhecimento", destacou Cardoso.
Orientador de pesquisas sobre o quilombo, o professor da Universidade Federal Fluminense Ronaldo Lobão defendeu a casa da família Pinto como um espaço de convivência na zona sul e de manutenção de elementos da "identidade nacional". "A feijoada e o tradicional bloco de carnaval Rola Preguiçosa, que a comunidade organiza, fazem parte da nossa cultura e história."