Deyverson Rafael Cescaro começou a fumar aos 15 anos de idade em Cataguases, no interior de Minas Gerais. Fumava cigarros de palha quando saía para conversar com os vizinhos, que davam o tabaco para o adolescente. Quando veio morar em Brasília, o vício, mesmo que moderado, continuou e, então, ele precisou passar a comprar as carteiras. Nunca encontrou dificuldades, mesmo sendo menor de idade. Hoje, aos 24 anos, tenta mais uma vez parar de fumar. Desta vez por conta da gravidez da esposa. ;Eu me preocupo com a possibilidade de o meu filho fumar um dia. Sei que não é isso que determina, mas podem aumentar as chances;, acredita.
Deyverson retrata bem o perfil dos fumantes no país. O morador do Distrito Federal vive na unidade da Federação onde há a segunda menor quantidade de pessoas viciadas em tabaco (13,4%) e onde o número de ex-fumantes (19,2%) é superior ao da média nacional (18,2%), segundo publicação divulgada ontem pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca), que reuniu dados de pesquisas feitas entre 2002 e 2009. Em 1997, de acordo com a Secretaria de Saúde do DF, 39% dos moradores da capital do país fumavam.
Para o pneumologista e professor da Universidade de Brasília (UnB) Carlos Alberto Viegas, o DF se destaca devido ao alto poder aquisitivo dos moradores. ;Hoje, sabemos que o tabagismo se concentra nas camadas com menor poder aquisitivo e isso está ligado ao acesso à informação;, explica o especialista. Os dados divulgados pelo Inca confirmam a visão do professor. Quanto menores a renda e a escolaridade, mais cedo o fumante entra no vício. Dos entrevistados com até um ano de estudo, 40,8% começaram a fumar antes dos 15 anos, percentual que cai para 12,9% entre os que estudaram mais de 11 anos. O mesmo ocorre com a renda. Enquanto 21,8% dos entrevistados que vivem com até um quarto de salário mínimo começaram a fumar com menos de 15 anos, somente 12,5% tiveram o mesmo comportamento entre os que ganham mais de dois salários mínimos.
Precoce
Deyverson também seguiu a onda do vício precoce. De acordo com o levantamento do Inca, 77,9% dos fumantes no Brasil iniciam o hábito até os19 anos de idade. No Centro-Oeste, o percentual de adolescentes fumantes entre 13 e 15 anos que nunca foram impedidos de comprar cigarros em função da idade chega a 88,7%. No Nordeste, chega a 89,9%. A faixa etária em que a maioria inicia o vício é entre 17 e 19 anos, intervalo no qual 31,9% dos entrevistados começaram a fumar.
Para o pneumologista Ricardo Meirelles, da Divisão de Controle do Tabagismo do Inca, falta fiscalização para impedir o acesso dos jovens ao tabaco. ;A maior preocupação é porque entre 50% e 60% desses jovens fumantes vão se tornar dependentes da nicotina. Se não houver fiscalização para cumprir a lei, os menores vão experimentar e vão acabar se viciando;, avalia. As mulheres são mais precoces do que os homens. A porcentagem das fumantes que começam antes dos 15 anos é de 21,9%. Entre eles é de 18%.
Outro fator que influencia o hábito de fumar é a exposição ao tabaco diariamente dentro de casa. Os valores variam de cidade para cidade, mas em Goiânia, por exemplo, 34,6% dos adolescentes têm pais fumantes. Desses, 48,5% também fumam. Ricardo defende que uma das estratégias para combater a indústria, que tenta seduzir o jovem com sabores e cheiros diferentes, deve informá-lo sobre os males mais precoces do cigarro. ;Não adianta falar para um jovem que ele terá enfisema aos 50 anos. Está muito distante;, critica. Ele sugere campanhas que tratem de impotência para os rapazes, ou do envelhecimento precoce da pele para as garotas. ;O jovem tem que enxergar que perde sua liberdade e começa a ser manipulado por uma indústria;, alerta.
Busca por tratamento
O estudo divulgado pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca) mostrou também que a média de pessoas que tentam parar de fumar varia pouco com a faixa etária. Dos jovens entre 15 e 24 anos, 48% ensaiaram parar de fumar até um ano antes de serem entrevistado. Entre os mais velhos, entre 45 a 64 anos, por exemplo, o percentual é de 41,5%. A diferença está na forma em que se tenta parar. Entre os jovens, somente 2,5% procuram medicamentos e 7,1% procuram aconselhamento. Entre os mais velhos esse percentual pula para 8,3% e 20%, respectivamente.
O que o pneumologista Carlos Alberto vê em seu consultório confirma os dados da pesquisa. ;Os jovens buscam muito menos o tratamento. Eles pensam que não vão adoecer e que conseguirão parar sozinhos quando quiserem;, relata. Segundo o especialista, geralmente as pessoas que buscam ajuda são mais velhas e já sofrem de alguma enfermidade relacionada ao tabaco.
O vício precoce é ainda mais perigoso porque o sistema respiratório só termina de amadurecer aos 20 anos. Além disso, a relação psicológica que o viciado cria com o cigarro tende a ficar mais forte com o passar dos anos. ;Na dependência da nicotina, há um componente fisico-químico, mas há também uma dependência comportamental. Remédio nenhum faz parar de fumar se não houver apoio comportamental;, alerta Carlos Alberto.
O pneumologista do Inca Ricardo Meirelles reforça a opinião do colega. ;O fumante precisa entender sua relação com o cigarro. Para muitos, ele é um amigo;, pondera. Dos 80% dos tabagistas que tentam interromper o vício sem ajuda profissional no país, somente entre 3% e 5% conseguem obter êxito. Os remédios que tratam da abstinência da nicotina só costumam ser receitados para jovens quando eles fumam mais de 15 cigarros por dia.