Brasil

Na contramão do desarrmamento, projeto dá porte de arma até para cientista

Juliana Braga
postado em 18/09/2011 08:00

Segurança no Parque da Cidade, em Brasília: projeto permite o uso de armas
O que pesquisadores de universidades, monitores de medidas socioeducativas e médicos legistas têm em comum? No que depender de deputados e senadores, todos esses profissionais poderão portar arma de fogo em breve. Ao contrário da política defendida pelo governo federal, que lançou na semana passada a segunda etapa da campanha do desarmamento e apresentou um balanço dos itens devolvidos pela população até agora, o Congresso Nacional tem pelo menos 13 projetos de lei em tramitação para ampliar o acesso a revólveres e pistolas. Um terço das propostas foi apresentado neste ano. Elas pretendem armar de cientistas a vigilantes de áreas de conservação ambiental (veja arte).

Um dos projetos que mais chamam a atenção é o do deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT). Na justificativa, ele argumenta que os cientistas, em especial biólogos, precisam de armas para abater e coletar animais com fins de pesquisa. ;No limite, tais profissionais poderiam utilizar sua arma até para defesa pessoal contra algum animal bravio durante sua tarefa;, afirma o parlamentar, no texto que acompanha o projeto. O Correio tentou falar com o deputado para saber mais detalhes sobre a proposta, mas a assessoria se negou a passar o contato direto.

Em outro caso, o deputado Walter Ihoshi (DEM-SP) não só recebeu a reportagem em seu gabinete como explicou as razões de ter apresentado um projeto de lei, em 2008, para conceder porte de arma a guardas de parques. ;Essa sugestão veio de uma pessoa próxima, já aposentada, que era guarda de parque. Ele relatou que a categoria se sentia desprotegida com a missão de cuidar da fauna e da flora brasileiras, mas sujeita a algum tipo de delito;, explica. Segundo Ihoshi, tais profissionais têm destreza o suficiente para portar uma arma. ;São pessoas preparadas pelo Estado para agir, inclusive em casos de violência ocorridos dentro dos parques.;

Apesar dos argumentos, a integrante do movimento Desarma Brasil Cilma Fernandes reprova a iniciativa dos parlamentares em aumentar a circulação de armamento no país. ;Quando se diminui o número de armas, você dá a possibilidade de a pessoa refletir antes de determinado ato. Uma pessoa que se envolve em uma briga de trânsito, por exemplo, se tem uma arma por perto, acaba utilizando-a;, exemplifica. Segundo dados da entidade não governamental, desde que o Estatuto do Desarmamento foi aprovado, em dezembro de 2003, a quantidade de mortes por arma de fogo diminuiu 11%.

Lacunas do estatuto

Crítico contumaz da política de desarmamento, o advogado Bene Barbosa, do Movimento Viva Brasil, acredita que projetos que aumentam o acesso a armas de fogo preenchem lacunas não observadas pelo Estatuto de Desarmamento no momento em que ele foi elaborado. ;Eles mostram que a legislação foi muito malfeita. Foi proposta e aprovada de forma muito restritiva, e quase não houve discussão por categorias;, critica. Para ele, profissionais que de alguma forma lidam com segurança têm o direito de portar armas ; caso de agentes penitenciários, inspetores de segurança do Judiciário e do Ministério Público, e funcionários de unidades socioeducativas.

Presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, por onde todas as propostas precisam passar, o deputado Mendonça Prado (DEM-SE) é contrário à ideia de armar agentes de segurança de órgãos públicos. Ele destaca que a necessidade atual do país é reforçar o aparato de segurança já existente. ;O que vemos são cortes orçamentários e sucateamento das polícias. Tem município onde falta viatura e, quando tem viatura, não tem gasolina;, diz. (JB e RM)

Tiro saiu de fuzil
O tiro que atingiu Franciele dos Santos Silva, 7 anos, a caminho da escola na Vila Cruzeiro ; favela ao lado do Complexo do Alemão, ambas ocupadas desde dezembro pelas forças de pacificação, no Rio de Janeiro ;, saiu de um fuzil usado por um militar do Exército durante patrulha na sexta-feira. A garota, que já recebeu alta do hospital e passa bem, engrossa a lista de vítimas de balas perdidas no estado. Foram 34 só no primeiro trimestre do ano, de acordo com dados oficiais. Se mantido o ritmo de ocorrências, 2011 fechará no mesmo patamar do ano anterior, que registrou 139 casos.

Dessas vítimas, 15 morreram ; cerca de 10%. No ano anterior, foram oito. Em 2008, 16. Com o desdobramento do caso de Franciele, quatro militares foram afastados do serviço de patrulhamento. Segundo o Exército, eles faziam uma ronda de rotina pela Rua 9 da Vila Cruzeiro quando avistaram um ;homem em atitude suspeita;. O indivíduo teria sacado uma pistola e atirado contra a tropa. Um dos militares reagiu e disparou de volta.

O homem, ainda não identificado, acabou fugindo. O fato de a ação ter sido rápida é usado como justificativa pelo Exército para a falta de informações precisas sobre o ocorrido. Q uso do Exército em patrulhamento ostensivo, tarefa para a qual não tem treinamento, tem sido alvo de críticas desde a ocupação do Complexo do Alemão e da Vila Cruzeiro.(RM)

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