postado em 02/10/2011 08:00
; Ana DoloresRecife ; Arrancar lembranças de dona Inês não é tarefa fácil. É assim desde que se mudou para o número 25 da Rua Aiquara, bairro do Ibura. O endereço fica no município de Jaboatão dos Guararapes, no trecho que faz limite com o Recife. Mudança, na verdade, é um eufemismo para fuga. Maria Inês Guedes, 57 anos, sobreviveu à cheia de 2005. Era madrugada de 2 de junho. Um canal que passa pelo local não suportou o volume de chuva e transbordou. A água inundou e devastou os barracos da comunidade Vila das Aeromoças em poucos minutos.
[SAIBAMAIS]Inês dormia quando percebeu a água invadindo o único cômodo de sua casa, feita de papelão e lona à beira do canal. Levantou às pressas. Pegou no colo a bisneta Inara, então com cinco anos, e correu para a casa de uma vizinha, que também estava prestes a ficar submersa. As duas filhas adultas que moravam com ela também só tiveram tempo de salvar as próprias vidas. Inês e mais 150 famílias conseguiram refúgio na sede da associação de moradores. Passados seis anos da tragédia, restam 50 desabrigados.
;Já estou cansada de ficar nas costas dos outros. Às vezes, tenho fome, mas minto por vergonha. Isso aqui é um lixo. Não é lugar de ninguém viver. Aqui, eu não estou vivendo. Estou vegetando. Isso dói;, desabafa Inês. O sentimento é descrito no trabalho do Conselho Federal de Psicologia (CFP) como o de ;seres supérfluos;. Constrangidos a cada vez que têm de recorrer ao aparato público, detalha a pesquisa, os desabrigados, pela prática às vezes velada de gestores, entendem avisos como ;você precisa se virar;. ;Embora importante num primeiro momento, o ambiente massificado e coletivizado do abrigo fere a individualidade e referências pessoais;, diz Clara Goldman, do CFP.
Na associação, Inês dividia um colchão de solteiro com as duas filhas e a bisneta. A dificuldade de arrumar comida levou todas. Ela está só. ;Sinto muita falta dela (a bisneta);, chora. Calor, falta de chuveiros e descargas quebradas marcam o salão onde os abrigados dormem. Para eles, é como se o dia que a água levou suas casas tivesse sido apenas o começo de um pesadelo. ;Tenho medo de tudo. Quando estou trancada, entro em pânico. Tenho medo de outra enchente, de não poder sair e morrer afogada. Estou doente. E foi essa cheia que me deixou assim;, diz Inês.
Instalações precárias
Após o transbordamento do Rio Jaboatão, em 2005, a Associação dos Moradores Vila das Aeromoças recebeu vítimas de outros desastres ocorridos na região em anos seguintes. Pesquisadores do Neped foram ao local em mais de uma ocasião e detectaram problemas como alcoolismo, consumo de drogas e violência contra mulheres e crianças, além do espaço físico inadequado para a quantidade de pessoas atendidas.