postado em 07/11/2011 10:47
Tabatinga (AM), Letícia (Colômbia) e Santa Rosa (Peru) ; Depois de passar em zigue-zague por poucos cavaletes, algumas lombadas e ser observado por meia dúzia de policiais e soldados com ar de enfado, qualquer cidadão deixa o Brasil e entra na Colômbia, ou faz o caminho inverso. O meio de transporte utilizado por nove entre 10 latinos que transitam por ali é a motocicleta. Na Avenida da Amizade, via que liga os dois países, a reportagem contou o número de motos que passaram em um minuto, às 17h de uma quarta-feira: 45. Isso em apenas um lado da via. Nesse intervalo de tempo é possível ver famílias inteiras empoleiradas na garupa, crianças sorrindo sem capacete e muita gente que, com certeza, ainda não completou a idade mínima para ter a habilitação pilotando.Os índios não escapam da febre das motocicletas. Capitalizados com os benefícios concedidos pelo governo federal, em especial o Bolsa-Família, eles reforçam o batalhão de pilotos.
O cálculo do chefe de gabinete da Prefeitura de Tabatinga, Altenor Magalhães, é de que são duas motos por família, o que leva a cidade de 50 mil habitantes a ter uma frota de aproximadamente 20 mil veículos de duas rodas. O número é incerto, pois não adianta confiar nos registros do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), que aponta apenas 2.346 motos na cidade. ;Cerca de 70% de quem pilota moto na cidade não tem habilitação;, estima o delegado da Polícia Federal Gustavo Pivoto.
O motivo da distorção é simples: a carga tributária brasileira deixa as motocicletas nacionais com preço impeditivo. Enquanto, um modelo da Honda, produzido na Zona Franca de Manaus, é vendido por R$ 7 mil em Tabatinga, a mesma moto, produzida na mesma fábrica, custa menos da metade quando comprada em Letícia, na Colômbia: R$ 3 mil. Além de os motociclistas não darem importância para a habilitação e para o uso do capacete, outra regra desobedecida é a importação de motos usadas, o que é proibido. Quem observa as placas das motos que circulam em Tabatinga percebe um número bem maior de colombianas.
Além da fragilidade da estrutura da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da legislação brasileira que permite aos índios obter de forma rápida a nacionalização brasileira para se beneficiar dos programas de assistência do governo federal, como mostrou ontem o Estado de Minas, a falta de controle na fronteira propicia a esses novos brasileiros usar o dinheiro no contrabando não só de motocicletas, mas de combustível.
Há duas semanas a Polícia Federal fez uma operação na aldeia de Umariaçu e apreendeu 1 mil litros de gasolina contrabandeada do Peru. Manoel Nery, que já foi cacique de Umariaçu e também é ex-vereador, chegando a presidir a Câmara, reclama de uma perseguição aos indígenas. Dois índios foram presos e responderão por contrabando, crime ambiental e contra a ordem econômica. Para o delegado da PF, ;o indígena quer o melhor dos mundos;, se referindo ao fato de desobedecerem às leis e não aceitarem as punições.
Questão de preço A reclamação de Nery é que o contrabando de gasolina não é uma exclusividade dos índios, além de, segundo ele, se transformar numa necessidade. Devido à grande distância de uma refinaria, a gasolina chega por balsa de Manaus ; a 1,3 mil quilômetros -, o que encarece o combustível. O litro, no único posto da cidade, custa R$ 3,80. Enquanto isso, no Peru, na outra margem do Rio Solimões, um galão de 20 litros custa R$ 35 (R$ 1,75 o litro).
Na aldeia de Umariaçu e em diversos pontos de Tabatinga e Benjamin Constant são montadas pequenas barracas de madeira e o combustível é vendido em garrafas PET de dois litros, por R$ 4 (R$ 2 o litro) (foto). O nome dado à garrafa de dois litros na região é ;cocão;. Outra opção é atravessar a fronteira e abastecer na Colômbia, onde o litro custa cerca de R$ 2,40.
Não só motocicletas e combustível são adquiridos de maneira ilegal. Motores de barco também são comprados do outro lado da fronteira, no Peru. No Rio Solimões, próximo a Santa Rosa, várias balsas vendem motores e outros equipamentos. Como os pescadores brasileiros não pagam os impostos de importação, ficam reféns da fiscalização e podem ter o propulsor apreendido. Foi o que aconteceu com o índio tikuna Mateus Juruna dos Santos. ;A Polícia Federal pediu o documento. Eu não tinha e levaram meu motor. Agora ficou difícil pescar;, reclama o indígena.