postado em 11/12/2011 08:00
As cenas seguintes poderiam ser simplesmente um registro de três gerações de uma família. Mas são o retrato de uma tragédia à brasileira, que se desenha para o futuro. Vânia*, 38 anos, traz nos braços o filho de 11 meses, ao lado da filha Eduarda*, 22, com o seu bebê de 10 meses no colo. Uma família como tantas outras não fosse pelo fato de mãe, irmãos e neto estarem em reclusão no Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade, em Vespasiano, Região Metropolitana de Belo Horizonte. Vânia e Eduarda foram presas juntas em casa, no Bairro Pires, em Congonhas, Região Central de Minas, a 89km da capital, quando a polícia descobriu que elas escondiam droga no terreno onde viviam.
Embalando o filho, Vânia busca força para falar, depois de um longo suspiro, e não consegue mais do que balbuciar: ;É difícil, mas Deus dá força;. Usa da simplicidade para disfarçar a falta de perspectiva para o futuro. Condenada a cinco anos de detenção, ela tem dois filhos fora da cadeia, um de 19 anos e outro de 10, além da filha presa. Discreta, mantém os olhos sempre baixos e aproveita o tempo na cadeia para participar da oficina de produção de bolsas. Evita falar sobre o que ocorreu desde a prisão.
Como se seu destino também já estivesse traçado, apesar da juventude, Eduarda diz que também tem outro filho, uma criança de 3 anos. A ele, ainda resta a companhia do pai, um trabalhador. Eduarda segue os passos de Vânia novamente e aproveita o tempo sem o filho para frequentar a oficina de bolsas. Na unidade de Vespasiano, uma das mais bem equipadas para mães, as presas têm ainda a possibilidade de estudar, quartos sem grades, paredes decoradas com motivações infantis e berços, mesmo no apertado espaço.
Para Joana*, 40 anos, falta o que fazer. A detenta da Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto May, em Várzea Grande, na Região Metropolitana de Cuiabá, é o retrato fiel das mães que engrossam a população feminina carcerária do Brasil. No mais absoluto ócio, fala apenas com os olhos encharcados de tristeza. A única luz que emite deles é quando o irrequieto Marcelo*, o filho de 2 anos, passa correndo pelo estreito corredor da cela-berçário da penitenciária, espalhando alegria. A acusada de tráfico de drogas está presa há dois anos e cinco meses e sente na pele a lentidão da Justiça brasileira. Ainda espera julgamento. Foi presa em Cáceres (MT), conhecida rota de traficantes, quando estava grávida de cinco meses, e transferida para a penitenciária onde Marcelo nasceu.
Ela repudia ver o filho repetindo gestos de adultos condenados, como ;bater a bigorna; (bater na grade) para chamar a guarda. Para suportar a dor diz: ;Ele precisa esquecer que teve uma infância sem liberdade;. Joana é mãe de outros cinco. Era arrimo de família e tentou sorte no lucrativo negócio das drogas. ;Não valeu a pena. A riqueza que tinha era a minha família e tudo ruiu como um castelo de areia.;
Mariana*, 26, tem mais em comum com Joana do que o simples fato de estar encarcerada em Várzea Grande. Sob o calor de 44; C, ela balança um bebê de 5 meses para tentar aliviá-lo da alta temperatura, que desafia o velho ventilador, mais barulhento que eficaz. Caminha sem rumo pelo exíguo espaço e, ao se aproximar da grade da janela onde acomoda a criança, não se contém: ;É muito duro ver uma mãozinha dessa segurando a grade. Corta o coração;. Mãe de outros três, ela não tem qualificação profissional, assim como 45% das detentas sem ensino fundamental.
* Nome fictício para presevar a identidade das entrevistadas