Brasil

Lei de sistema socioeducativo para menores quer esvaziar as prisões juvenis

Lei que uniformiza o atendimento a menores infratores e prevê mudanças nos centros de internação é sancionada. Mas especialistas não acreditam nos prazos anunciados pelo governo

postado em 21/01/2012 08:00
Em uma década, o número de menores infratores dobrou no Brasil. São quase 20 mil meninos e meninas cumprindo medida socioeducativa. O termo, entretanto, está ficando cada vez mais na retórica. No lugar de intervenções pautadas pelo trabalho de ressocialização, os adolescentes que cometeram infrações têm sido trancafiados em sistemas iguais ou piores que presídios comuns. Para uniformizar práticas e estimular uma mudança desse quadro, a presidente Dilma Rousseff sancionou, nesta semana, a lei que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). Embora motivo de comemoração por parte dos militantes da área da infância, as novas regras, previstas para entrar em vigor em 90 dias, já nascem despertando a desconfiança de especialistas, pelo menos no prazo previsto.

Coordenador do programa Justiça ao Jovem, iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que traçou uma completa radiografia do sistema socioeducativo no Brasil, Reinaldo Cintra prevê ao menos 10 anos para a reestruturação física das unidades de internação de menores.

Apesar de considerar a lei um avanço, o magistrado ressalta que, atualmente, no máximo 15% dos 435 estabelecimentos estão adequados às normas do Sinase. Ou seja, abrigam até 90 adolescentes, têm espaço mínimo de 15 mil metros quadrados, são dotadas de espaços para escola, lazer, esporte, saúde e convivência familiar, entre outras determinações da nova lei. ;Os princípios imediatos, que são coisas mais simples, como a individualização do processo de cada interno, poderão ser aplicados em 90 dias. Outras ações demandarão um tempo para a União, os estados e os municípios se prepararem, inclusive financeiramente;, diz Cintra.

Luis Claudio Chaves, presidente da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP), considera o prazo de 90 dias suficiente. Ele destaca a existência do Sinase não como lei, mas como resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) desde 2006. ;As pessoas, os gestores e os técnicos já vêm se familiarizando com o tema;, destaca Chaves, que é juiz da área da infância no Amazonas. Vice-presidente da Comissão Nacional da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ariel de Castro Alves ressalta como uma das vantagens da nova lei a possibilidade de cobrar dos gestores envolvidos. ;Claro que a legislação é muito ampla e às vezes muito distante da realidade. Cabe ao Ministério Público, a partir de agora, exigir a implementação do que está no Sinase;, afirma.

Superlotação
O Justiça ao Jovem, que visitou estabelecimentos de 24 estados e do Distrito Federal, encontrou 30% de superlotação, principalmente em estados como Ceará (67%), Paraíba (38%) e Pernambuco (64%). Em 21 unidades da Federação, os centros tinham arquitetura prisional. Em sete, houve relatos de agressões e abusos. Secretária nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, Carmen de Oliveira reconhece as dificuldades, mas acredita que a regulamentação do Sinase traz obrigações claras aos entes da Federação, ao mesmo tempo em que prevê serviços importantes ao jovem infrator, como o atendimento multidisciplinar a partir da detenção do adolescente. ;A previsão é criarmos neste ano cinco núcleos integrados para atendimento inicial, com delegado, juiz da infância, promotor, defensor e equipe socioeducativa. Trabalhando dessa forma, evitaremos as internações provisórias desnecessárias, melhorando a qualidade da medida aplicada;, diz.

Com o maior índice de adolescentes internados do país, o Distrito Federal (veja quadro) planeja inaugurar três unidades de internação ainda este ano. A meta é fechar o Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje), onde um adolescente foi enforcado em agosto passado. A essa morte, somam-se pelo menos outras 21 nos últimos 13 anos, conforme registrado pelo CNJ. Segundo Dioclécio Campos Junior, secretário da Criança no DF, um núcleo de atendimento inicial e uma unidade de internação provisória, em fase adiantada de criação, ajudarão a desafogar o Caje, até a desativação completa. ;Nosso compromisso é assegurar o cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, em conformidade com um conjunto de medidas anunciadas em fevereiro de 2011;, completa o secretário.

Previsão
Embora a maior parte das ações previstas na lei tenha de entrar em vigor em 90 dias, há outros prazos para atividades específicas. Para a elaboração dos planos decenais de atendimento socioeducativo, por exemplo, cada estado, município e o DF terão um ano, a contar da aprovação do plano em âmbito nacional. Ações sem período especificado para serem executadas, porém, obedecem ao prazo de três meses, disposto no fim da legislação sancionada.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação