postado em 29/02/2012 07:51
Pelo menos uma vez por mês, a paranaense Bénie Bussmann, 37 anos, precisa ser hospitalizada. O quadro é dores intensas no abdômen e nas costas, além de náuseas. Os remédios aliviam os sintomas, mas não evitam novas crises. Essa rotina já dura cinco anos. Bénie é uma das brasileiras que sofrem de porfiria aguda, uma doença rara causada pela deficiência de uma enzima relacionada à hemoglobina.Bénie sofreu a primeira crise de porfiria - doença hereditária - aos 15 anos de idade. Porém, o diagnóstico só foi confirmado há oito anos. Não se sabe ao certo quantas pessoas no mundo têm porfiria. Acredita-se que uma a cinco pessoas em cada 100 mil habitantes podem desenvolver algum tipo do distúrbio metabólico. No Brasil, a estimativa varia de 1.900 a 9.500 pessoas.
A subnotificação e o fato de não afetar tantas pessoas em comparação a outras enfermidades levam as doenças raras a serem desconhecidas até mesmo dos próprios médicos, resultando no diagnóstico tardio ou equivocado. Em alguns casos pode demorar 20 anos para a constatação de que uma pessoa sofre de doença rara. Em uma das crises, Bénie conta que a dor era tão intensa que um médico queria submetê-la a uma cirurgia.
Devido à porfiria, Bénie diz não ter tanta energia para fazer várias atividades e lembra que tem de tomar constantemente remédios para controlar as dores. Ela evita alguns tipos de medicamento, como analgésicos, que são verdadeiros estopins para uma crise. ;Me sinto fraca, o braço treme e são fisgadas de dor. Não consigo nem tomar um gole de água que já sinto náuseas;, relata.
Nos momentos mais críticos, precisa ficar internada por vários dias, afastada do trabalho de pedagoga na rede pública de ensino em Curitiba. Além das dores, ainda tem de lidar com o preconceito em relação à doença. ;Uma vez, uma colega deu uma indireta de que eu não iria trabalhar só por causa de uma dor na barriga;, conta Bénie, que é vice-presidenta da Associação Brasileira de Porfiria.
As mudanças de hábitos impostas pela doença afetaram também a vida pessoal da pedagoga. ;Ele [o ex-marido] descobriu junto comigo a doença e não conseguiu lidar. Acho que não deu conta de lidar com a pessoa em que me transformei;.
No Dia Mundial das Doenças Raras, lembrado hoje (29), Bénie e outros brasileiros chamam a atenção para as dificuldades de enfrentar uma enfermidade que quase ninguém conhece. Entre elas estão a falta de médicos, laboratórios e hospitais especializados e o alto custo do tratamento - a maioria dos remédios não está disponível no Brasil e precisa ser importada.
;É de absoluta necessidade a conscientização da classe médica e da população em geral sobre os sintomas e o tratamento;, alerta Raquel Martins, presidenta da Associação Brasileira de Portadores de Angiodema Hereditário - doença genética que provoca inchaços em vários partes do corpo, inclusive na laringe.
Para ter acesso à medicação, muitos pacientes têm recorrido à Justiça. Apenas em 2011, o Ministério da Saúde desembolsou R$ 167 milhões para atender a 433 ações judiciais que determinavam a compra de remédios para pessoas com doenças raras.
Há três anos, o governo federal lançou a Política Nacional de Atenção Integral em Genética Clínica com o objetivo de criar uma rede de assistência a pessoas com doenças raras, inclusive com centros de aconselhamento genético. Segundo o Ministério da Saúde, o entrave é que existem 5 mil alterações genéticas que podem levar à ocorrência dessas doenças. A maior parte delas não tem cura e nem tratamento com eficácia comprovada, e os remédios servem para amenizar os sintomas, segundo a pasta.
Atualmente, 80 hospitais são equipados para consultas em genética clínica e realizaram mais de 71 mil atendimentos no ano passado. Os gastos com exames de laboratórios e consultas somam cerca de R$ 4 milhões por ano, conforme o governo federal. Já existem protocolos com orientações para indicação de remédios e exames pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para 18 tipos de doenças raras.
Na avaliação de entidades que representam pacientes com doenças raras, o atendimento precisa ser personalizado diante das demandas específicas. ;A criação de um centro de referência em doenças genéticas com atenção especial, tratamento diferenciado, com orientação à família e com profissionais capacitados seria uma boa pedida. Não é algo tão impossível de fazer;, cobra Valério Oliveira, presidente da Associação Brasileira das Pessoas com Hemangionas e Lifangiomas - má-formação vascular que resulta em manchas avermelhadas no rosto.