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Ex-usuário de crack integra projeto que pretende acolher viciados no Brasil

postado em 02/07/2012 11:08
Usuários serão convidados a se tratar em centros terapêuticos, onde terão a oportunidade de se desintoxicar, se profissionalizar e recuperar laços afetivos e familiares.
;Era um bom menino, vim de berço evangélico e de família carinhosa. Tinha tudo a favor para estudar, me formar e ser um grande profissional. Mas tive o destino interrompido por uma pedra. A pedra maldita do crack.; O depoimento vem de lábios que durante dois anos só encontraram força para puxar o cachimbo, mas que hoje pregam palavras de renovação e de cura. Com o coração aberto para servir, o jovem paulista Johnny Rodrigo dos Santos Alves (foto acima), de 23 anos, esteve em Belo Horizonte para ajudar dependentes químicos a se livrarem do vício. Ele é um dos integrantes do projeto Cristolândia, previsto para ser inaugurado pela Igreja Batista em 4 de agosto.

A iniciativa terá sede em local estratégico. Será instalada em uma casa tombada pelo patrimônio municipal no número 251 da Rua Itapecerica, no Bairro Lagoinha, na Região Nordeste da capital, onde há grande circulação de usuários de crack e outras drogas. Johnny vai integrar uma equipe inicial de 13 voluntários e um casal coordenador, que farão abordagens aos dependentes químicos nas ruas da região, convidando-os a visitar o projeto. O imóvel, de 360 metros quadrados de área construída, estará aberto 24 horas por dia como centro de acolhimento e terá capacidade diária para 150 pessoas.

Johnny Alves conta que começou a beber e a usar maconha aos 14 anos. ;Depois passei a cheirar cocaína e também a traficar. Aos 17 anos, fui autuado pela polícia em sala de aula por tráfico de drogas;, explicou. Segundo o coordenador do projeto, pastor Gleydson de Souza Morais, os usuários do crack e outras drogas que desejarem ser acolhidos terão acesso a serviços de higiene pessoal, alimentação e apoio espiritual. ;No início da manhã, vamos celebrar um culto de 15 minutos. Depois, eles poderão tomar o café da manhã, cortar cabelo, tomar banho e trocar de roupa. Vamos dar uma roupa limpa para eles todos os dias;, contou.

[SAIBAMAIS]A unidade terá ainda atendimento médico, odontológico, psicológico e psiquiátrico, além de terapia ocupacional durante todo o dia. A iniciativa, segundo o pastor, busca resgatar as pessoas entregues ao vício e terá ainda outras etapas. ;Todos os dias, os usuários serão convidados a se tratar em centros terapêuticos em Minas, São Paulo, no Rio de Janeiro e em Goiás, onde terão a oportunidade de se desintoxicar, se profissionalizar e recuperar laços afetivos e familiares;, acrescenta o pastor.

Plano se alastra pelo país
A tentativa de frear o movimento frenético das mãos com os cachimbos de crack no entorno do Complexo da Lagoinha e do Conjunto IAPI, no Bairro São Cristóvão, considerada a república dos usuários da droga em Belo Horizonte, teve origem em São Paulo. Por iniciativa do diretor-executivo da Junta de Missões Nacionais da Convenção Batista Brasileira, pastor Fernando Brandão, a Cristolândia começou a mudar os rumos de quem não acreditava mais em solução para o vício.

Segundo o evangélico, o projeto surgiu em 2009, quando ele errou o trajeto e caiu nas ruas da cracolândia de São Paulo. ;Naquele dia, fui direcionado por Deus a iniciar um projeto nas ruas da conhecida zona de uso de crack da cidade;, explica. Da capital paulista, a Cristolândia criou raízes também em Recife (PE), no Rio de Janeiro (RJ) e em Vitória (ES). Além da sede de Belo Horizonte, Brasília será contemplada com uma unidade. Apesar de se diferenciar de São Paulo, onde a cracolândia reunia consumidores do crack na região central, os usuários estão mais dispersos pelas ruas de BH.

Para o gerente regional da junta em Minas Gerais, pastor Gerson de Assis Perruci, o projeto será uma oportunidade de resgatar a integridade física das pessoas e livrá-las do vício. Segundo ele, os voluntários vão iniciar as ações, mas o projeto está aberto ao trabalho de pessoas que queiram doar serviços. ;Temos uma equipe voluntária para começar. Mas precisamos de mais pessoas que se interessem em levar o projeto adiante com a igreja. Também estamos abertos para receber roupas em bom estado e alimentos de boa qualidade para o preparo das refeições;, explicou o pastor.



Para os usuários que desejarem ir além do trabalho de higiene e alimentação diariamente na sede do Bairro Lagoinha, a igreja oferecerá a oportunidade de internação no centro terapêutico do grupo em Espera Feliz ou na unidade de Muriaé, ambas cidades da Zona da Mata. Cerca de 60 pessoas estão atualmente em tratamento, que varia de três a nove meses nesses locais. ;Lá, os dependentes tratam da abstinência e recebem apoio físico, emocional e espiritual;, disse. Também recebem nessa fase ajuda para resolver pendências jurídicas e judiciais, além de serem reaproximados da família, caso mantenham os laços afetivos. Segundo o pastor, a experiência de São Paulo mostra que cerca de 80% das pessoas se recuperam após o tratamento.

Três perguntas para...

Johnny Rodrigo dos Santos Alves
ex-usuário de crack e voluntário do projeto Cristolândia

1 - Como começou seu envolvimento com drogas?
Tinha 14 anos quando comecei a beber. Daí, conheci a maconha e a cocaína. Na época, não queria somente usar, queria ser o destaque, queria também vender a droga. Aos 17, fui autuado pela polícia em sala de aula por tráfico, mas isso não adiantou nada. Fiquei uns dois meses sem usar droga, mas não adiantou nada. Voltei e comecei a usar drogas ainda mais pesadas, como ácido e ecstasy. Depois veio o crack e aí foi um inferno na minha vida.

2 - O que mudou na sua vida depois do crack?
Fiquei prisioneiro da pedra. Comecei a vender minhas coisas para fumar. Passava quatro, cinco dias fora de casa dentro da favela, fumando. Fiquei malvisto pela minha família e sabia que estava fazendo tudo errado, mas não dava conta de mudar. Sabia que estava fazendo tudo errado, estava fazendo coisas absurdas para quem nasceu em um berço tão bom quanto o meu. Roubava pedestres, participava de saidinha de banco e de pequenos assaltos, mas estava completamente dependente do crack.

3 - Como foi a recuperação?
Minha mãe foi a única que acreditou em mim. Pedi para ela me internar e depois de três tentativas frustradas fui levado para um centro de recuperação que tinha parceria com a Igreja Batista. Lá tive realmente apoio e forças para me livrar do vício. Depois de nove meses estava liberado, mas ainda não sentia condições de ir para casa. Então decidi participar do programa Radicais e decidi ajudar, dentro do projeto Cristolândia, quem ainda é dependente da droga.

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