Brasil

Burocracia afugenta mão de obra estrangeira especializada

postado em 12/08/2012 10:42
A crise mundial, o crescimento econômico brasileiro e o aumento significativo de salários e da demanda por mão de obra qualificada têm atraído para o Brasil cada vez mais estrangeiros com alto nível técnico. O número de autorizações de trabalho concedidas pelo governo a pessoas vindas de fora cresceu quase 26% em 2011, com cerca de 70 mil novos vistos.

De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, mais da metade das 66 mil autorizações temporárias concedidas em 2011 foram para profissionais com nível superior completo. O número de mestres e doutores estrangeiros quase triplicou, passando de 584 para 1.734. A estimativa do Ministério das Relações Exteriores é que mais 2 milhões de estrangeiros legais tenham o Brasil como morada, o que supera a população do Uruguai.

Ainda assim, o déficit de mão de obra especializada é alto e a burocracia para a emissão de vistos de trabalho assusta o imigrante. O engenheiro italiano Paolo Farnese diz que é preciso ter muita vontade e perseverança para conseguir emprego no Brasil sendo estrangeiro. Ainda estudante, após uma breve visita ao país, ele se apaixonou pela pequena cidade de Camocim, no Ceará, e decidiu que ali viveria após se formar. Já com o diploma nas mãos e casado, retornou ao Brasil disposto a ficar.

Durante cerca de seis meses, o casal tentou regularizar documentos e conseguir vistos de trabalho. Sem sucesso, Farnese e a mulher foram obrigados a voltar para a Itália, após o vencimento dos vistos de turistas. Voltaram para o Brasil um ano depois, decididos a abrir uma empresa e solicitar um visto de investidor, mas acabaram beneficiados pela Lei de Anistia de 2009 (n;11.961), que concedeu vistos transitórios a todos os estrangeiros que viviam no país na época.

O processo de tradução e legalização de documentos foi uma maratona à parte. ;Ao todo gastei, cerca de R$ 5 mil com traduções, autenticações e revalidação do meu histórico acadêmico, que demorou mais de um ano para ficar pronto.; Quando todos os trâmites pareciam estar concluídos, o italiano descobriu que, para exercer a profissão de engenheiro no país, precisaria do registro do Conselho Regional de Engenharia Arquitetura e Agronomia (Crea). ;Depois de enviar toda a papelada para Brasília, o Crea não concedeu o registro, porque meu visto era transitório e eles exigem o visto permanente;, contou.

O visto permanente chegou três anos depois. Recentemente, Farnese recebeu um protocolo do Crea até que o registro definitivo seja emitido. Atualmente, ele trabalha na ampliação do Porto do Itaqui, em São Luís, no Maranhão, como funcionário da empresa Vale. ;Algumas vezes pensei em desistir, mas valeu a pena ter insistido;, disse.

Residente no Brasil há oito anos, e há três no Rio de Janeiro, o norte-americano Ryan Hemming reclamou da desinformação nos órgãos públicos que lidam com estrangeiros. ;Há sempre muita desinformação e a maioria trata o estrangeiro com arrogância como se estivesse fazendo favor;, queixou-se o norte-americano. Após se mudar recentemente, ele precisou procurar a Polícia Federal para informar o novo endereço.



;Liguei para o telefone central da Polícia Federal e me informaram que bastava levar um documento comprovando meu novo endereço em qualquer unidade do órgão. Fui ao posto mais perto de casa e lá descobri que esse trâmite só poderia ser feito na Delegacia de Polícia de Imigração, no aeroporto internacional. Liguei para a delegacia e me confirmaram que bastava levar um documento confirmando o novo endereço. Quando cheguei lá, informaram que não seria atendido, pois precisava agendar uma visita, e que também tinha que levar foto e outros documentos. Faltei o trabalho à toa;, contou ele, que trabalha em uma escola de inglês.

No Rio há oito anos, o geógrafo alemão Wolfram Lange disse nunca ter sido maltratado por funcionários públicos e ressaltou que alguns são muito gentis e solícitos. No entanto, reclamou da falta de preparo para lidar com imprevistos. ;Às vezes, na Polícia Federal, eles nem sabem direito como tratar os casos especiais, não sabem se tem que ter cópia autenticada, firma reconhecida. Em geral, sempre é muita papelada e qualquer pequeno erro dá problema;. Ele disse que precisou ir a uma delegacia cinco vezes para concluir o Registro Nacional de Estrangeiro. ;E quase sempre, tem que enfrentar fila, mesmo chegando às 6 horas.;

Com a demanda por mão de obra cada vez maior devido aos grandes projetos empresariais em curso no país, como os do pré-sal, a vinda de estrangeiros qualificados é a única alternativa em curto prazo para suprir o déficit de recursos humanos em setores estratégicos brasileiros. A constatação é do economista André Sacconato, da associação Brain Brasil Investimentos e Negócios, que coordena uma pesquisa para mapear os setores carentes de mão de obra de alto nível. ;O Brasil tinha, em 2010, 10 milhões de matriculados em cursos superiores. É muito pouco, se compararmos ao Chile e à Argentina, que têm quase o dobro, sem mencionar países como os Estados Unidos e outros da Europa, ainda mais desenvolvidos. Além disso, parte desses recém-formados não é absorvida pelo mercado;, destacou.

Sacconato acredita que, assim como o Canadá, a Austrália e Cingapura, o Brasil deve criar uma política direcionada de vistos, para suprir as carências de alguns setores, como engenharia e serviços financeiros. ;Para isso, é necessário mudar toda a lógica de imigração que existe hoje e diminuir a burocracia. Hoje três ministérios [do Trabalho, da Justiça e das Relações Exteriores] estão envolvidos no processo de emissão de visto de trabalho para estrangeiros. Se tiver algum erro nos vários formulários exigidos, o processo volta para a estaca zero. São tantas etapas, que na prática o processo demora muito mais;, disse.

O Ministério do Trabalho informou, por e-mail , que tem feito o maior esforço no sentido de orientar os interessados a apresentar corretamente os documentos e criou um guia disponível na internet com o passo a passo sobre os procedimentos.

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