postado em 25/09/2012 18:21
Rio de Janeiro - O ex-procurador-geral da República, Claudio Fonteles, membro da Comissão Nacional da Verdade, confirmou nesta terça-feira (25/9), no Rio de Janeiro, que a decisão da mudança do atestado de óbito do jornalista Vladimir Herzog, partiu da própria instituição. ;Por unanimidade, nós deliberamos que diante de um quadro evidente de que ele foi assassinado nas dependências do Estado, pelo serviço policial da repressão, oficial na época, e embasado por provas eloquentes, nós deliberamos, para provocar o Poder Judiciário, por meio dos juízes de registros públicos, para que fosse sanada aquela gravíssima omissão. E fizesse constar que esse digno brasileiro morreu vítima da violência arbitrária;, disse.A mudança atingirá todos os que foram mortos pela ditadura, assegurou. ;Todos. Criamos o que se chama em direito do precedente prudencial. E todos agora, podem seguir essa linha. Acho que foi um ponto altamente positivo;.
A comissão não sabe, entretanto, quantos presos políticos poderão ser beneficiados. Fonteles ressaltou que isso vai depender muito dos parentes das vítimas. ;Eles sabem. É muito fácil para todos nós. Procurem a comissão, apresentem o quadro, como fez Clarice Herzog e seu filho, e aí, pronto. Já temos o procedente e, imediatamente, andamos;.
Fonteles participou da audiência pública Memória e Verdade, organizada pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Rio de Janeiro (PRDC-RJ). Indagado se o médico-perito que assinou o atestado de Herzog à época, Harry Shibata, poderia ser acusado de crime de falsa perícia, esclareceu que, criminalmente, o fato prescreveu. ;Tem mais de 70 anos, a prescrição conta pela metade;.
Ele declarou que o Brasil, ;lamentavelmente, no direito penal, ainda é um país que estimula muito a impunidade;. Para Fonteles, crimes graves não deveriam prescrever nunca. Acrescentou que o fator idade não deve também ser elemento de diminuição de culpa, mesmo havendo prescrição. ;Reitero isso fortemente. Crimes graves não podem prescrever;.
Até o momento, a comissão ouviu cerca de oito depoimentos, informou. O grande trabalho, porém, a seu ver, é a pesquisa documental. O próprio Fonteles faz com a sua equipe uma pesquisa, toda semana, no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro. Na próxima quinta-feira (27), ele vai pesquisar documentos secretos de órgãos oficiais que a lei impôs o acesso ao público. ;Então, eu estou trabalhando fortemente lá;.
Admitiu que a comissão já está investigando também os empresários que financiaram a ditadura. Mas não quis adiantar detalhes. ;Posso dizer só isso: já temos alguns documentos para montar o quadro. Mas deixa a gente trabalhar um pouquinho mais. Nada será oculto;. Previu que haverá novidades para relatar mais para o final do ano.
[SAIBAMAIS]Em resolução publicada na edição do Diário Oficial da União do dia 17 de setembro, a comissão decidiu apurar os crimes cometidos pelo Estado durante a ditadura militar, restringindo as investigações aos crimes cometidos por agentes públicos ou a serviço do Estado. A resolução indica, portanto, que supostos crimes atribuídos a opositores do regime ditatorial, que vigorou no Brasil de 1964 a 1985, não serão alvo de análise. De acordo com a assessoria de imprensa da comissão, a decisão atende a regras já previstas em lei e em acordos internacionais em que o Brasil é signatário.
A comissão concluiu que a queima de documentos e atas referentes ao período da ditadura pelos militares foi ilegal, oficiou a decisão ao Ministro da Defesa, Celso Amorim, para que os comandos militares se manifestem, o que não ocorreu até agora. Embora exista um crime no ato cometido, Fonteles ponderou que uma apuração de culpabilidade remeteria aos comandantes anteriores, que atuavam à época da ditadura, e não aos atuais.
Segundo ele, o grande desafio da Comissão Nacional da Verdade é criar uma linha de trabalho permanente. Ou seja, criar ;um tecido protetivo da democracia, para que nunca mais venhamos a experimentar soluções do arbítrio, da ditadura, do assassínio por parte do Estado e seus agentes públicos;, disse. ;Temos que manter esse tecido vivo. Senão, vira notícia de jornal;.
Fonteles insistiu que, para isso, há necessidade de se formar uma grande rede protetiva da democracia no país, integrada por comissões estaduais e da sociedade civil organizada. Lamentou, nesse sentido, que o governo fluminense ainda não tenha constituído a sua Comissão da Verdade, por falta de quórum na Assembleia Legislativa (Alerj). ;Eu lamento. E sou carioca e vascaíno. Eu gostaria muito que isso fosse feito aqui no Rio de Janeiro. Nós temos incentivado fortemente;. O Pará deverá anunciar a sua comissão nos próximos 30 dias, revelou. Lembrou que os membros da comissão nacional estão permanentemente dialogando nas várias unidades da Federação.
Avaliou que audiências como a realizada hoje no Rio de Janeiro vão servir para ;mais do que pontuar; as violações de direitos humanos ocorridas durante a ditadura. ;Eu insisto que todos os brasileiros internalizemos, você, eu, as gerações futuras, as gerações presentes, que a democracia é o melhor dos regimes. Que é insuportável qualquer solução arbitrária. Isto é o grande objetivo nosso;.
Afiançou que para os casos que não foram resolvidos, a Comissão Nacional da Verdade vai fazer ;um esforço enorme; de tentar descobri-los, ;para tentar satisfazer não só a sociedade, mas os próprios parentes;.