Três estudantes, que vivem na cidade de Santa Maria (RS), relatam o drama vivido pelas famílias e a rotina de shows na boate. Segundo Eduardo Barcellos Nunes, 18 anos, Kiss era considerada uma das melhores boates da cidade. Ele não esteve no local na noite da tragédia, mas, de acordo com ele, shows com "mini-fogos de artifício" eram comuns. A estudantes Diessica Gaige, 20, afirmou que o processo de identificação das vítimas é demorado. "Há muitos corpos queimados", contou. Confira os depoimentos:
Diessica Gaige, 20 anos, estudante de sociologia da Federal de Santa Maria
"A situação é comovente, está todo mundo muito desesperado, querem saber o nome dos parentes. Já foi divulgada uma lista com 40 nomes de mortos e internados, mas está difícil de ter acesso a esses nomes porque o processo de identificação está demorado porque tem muitos corpos queimados. Está uma correria. Estou acompanhando uma amiga, que está nervosa. A mãe e o padrasto dela estavam na boate, com o pessoal da engenharia florestal, um dos cursos que organizava a festa no local. Estamos no Ginásio Municipal de Santa Maria agora com mais de 300 pessoas, todos familiares procurando os parentes desaparecidos."
Eduardo Barcellos Nunes, 18 anos, estudante de pré-vestibular
"Frequento a boate, já fui três ou quatro vezes. A estrutura é boa, é bem grande, com novas instalações, é uma das melhores boates da cidade. É um lugar frequentado, principalmente, por jovens entre 18 e 22 anos. Olha, sempre teve shows com mini-fogos de artifício dentro do estabelecimento. Quando iniciava um show, de uma dupla sertaneja, por exemplo, apareciam faíscas no palco antes da banda aparecer para tocar. Não sei o porquê desse problema ontem. É preciso investigar. Não conheço ninguém por enquanto que estava na boate no momento da tragédia mas estou ligando para todos os amigos para ter mais informações e ajudar no que eu puder"
Ezequiel Real (pelo Facebook), estudante de educação física da UFSM
"Nunca imaginei que uma brincadeira daria nisso! Acompanhei o início do fogo que veio das faíscas do sparkles e se propagou pelo teto nas esponjas do isolamento acústico. Não me apavorei, porque não achei que poderia lidar com a situação, mas vi muita gente entrar em pânico, cair e desmaiar umas por cima das outros, era um mar de gente atirada.
Vi que muita gente em crise acessou a porta mais próxima, que era a do banheiro e se alojaram lá dentro. Vi pessoal que trabalhava se escondendo até dentro de freezers! Quando vi que não tinha mais jeito de sair pela saída principal dei a volta na área VIP e sai pela lateral empurrando e pisando por cima de muita gente, acredito que não sairia se não fosse pela força que utilizei para passar pelas pessoas. Ao sair olhava para baixo e via que pisava e cruzava por cima de mulheres e homens desmaiados.
Foi uma merda sair por uma porta de no máximo dois metros e ainda com uma mesa atravessada e todos aqueles corrimões atravessados no meio do caminho. Não vi alarme soando, só gritos, não vi luz de saída, só fumaça. Quando sai me passou na cabeça as pessoas que passei por cima e voltei para retirá-las, pois não agüentava escutar berros, ver policiais e bombeiros sem dar conta, porque tinha muita gente empilhada. Quando entrei tinha que escolher quem salvar, mas até aí não tinha passado na cabeça a MORTE.
Muita gente apavorada e nenhuma organização, tivemos que levar muitas pessoas desmaiadas no colo até o topo daquela subida para largar dentro de ambulâncias, uma estratégia deveria ser montada para aproximar atendimento das vítimas, mas não culpo porque mal cabia duas pessoas dentro de cada ambulância.
Sem ter saída para a fumaça e não podendo ver mais ninguém para poder ajudar começamos a abrir um buraco na parede, arrancar madeiras, grades, janelas destruímos o isolamento acústico. Ao abrir o buraco na parede para entrar no caixa, um bombeiro me convidou para entrar porque sozinho não conseguiria tirar as pessoas. Entrei e pela primeira vez vi a morte pessoalmente. Vibrava a cada pessoa que saia, mas eu via que nenhuma estava com vida. Vizinhos me molhavam e molhavam panos para que eu pudesse entrar mais para o meio da boate, logo um enfermeiro do SAMU me pediu para sair lá de dentro, pois tinha risco de desabar. Não acreditei e ele me mostrou que todos que saiam para frente estavam mortos, mesmo assim voltei, peguei uma lanterna com um policial e voltei para ver se alguém se mexia ou pedia socorro.
No primeiro momento que liguei e foquei a luz na área VIP vi muitos corpos, não sabia mais o que fazer, perdi forças porque vi gente pendurada em grades, vi pessoas empilhadas uma por cima das outras e não era uma ou duas dezenas, era muita gente.
Imagem que nunca apagarei da minha cabeça, não tive força física para ficar ali e tive que sair derrotado de dentro daquele buraco, não entendi a noção e o tamanho da tragédia. Vim abatido para casa, pois não agüentava a dor nas pernas e na cabeça. Acordei agora ao meio dia com amigos atrás de mim, liguei a TV e vi a relação de pessoas mortas. Queria ter feito mais! Mas sei que tanto eu quanto meus amigos e voluntários deram o máximo. Agradeço a todos, pois são irmãos que abraçaram a causa e davam sangue pelas vítimas."