postado em 16/04/2013 09:00
Cleyde Yáconis não gostava de multidões. Era avessa a badalações. Encontros, só de trabalho. Puxou a mãe, dona Alzira, que desmaiava quando estava em ambientes repletos de humanos. A atriz só suportava os olhares alheios se estivesse no silêncio do teatro. Ali, desnudava-se, por inteira, para 300, 600, 5 mil espectadores. Era um mistério. Subia ao palco e se transformava num caldeirão vivo de pulsações. Quem a acompanhava em cena se modificava junto. Aliás, presenciar essa intérprete em seu ofício era um exercício de conhecimento. Aprendia-se acompanhando cada gesto e ação de uma das maiores atrizes brasileiras, que morreu na segunda-feira (16/4), aos 89 anos, no Hospital Sírio Libanês (SP), depois de uma vida intensa dedicada, sobretudo, às artes cênicas.
De sua geração, não há dúvidas, Cleyde Yáconis era dona de um dos mais respeitáveis repertórios que uma atriz pode constituir. Só no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), que ajudou a criar, passou 13 anos experimentando o mais requintado rol de peças mundiais. Foi ali que se descobriu atriz, sem grandes preparações para a noite de estreia. Primeiro, acompanhava a irmã ; e que irmã ; Cacilda Becker aos ensaios. Depois, passou a tomar conta do guarda-roupa da companhia paulistana, que botou o teatro brasileiro nos trilhos da modernidade. Um dia, a estrela Nidia Lycia precisou se ausentar de um espetáculo e ela se ofereceu para substituí-la. Todos ficaram preocupados.
[SAIBAMAIS]; Todo mundo ficou confuso, sem saber o que fazer, e eu, bem irresponsável, falei: ;Ué, não basta repetir tudo que a Nidia fazia?;
A substituta não só repetiu tudo direitinho como deu o seu molho ao personagem, a ponto do mítico diretor Ziembinski convidá-la para participar do próximo espetáculo dele, Pega-fogo, protagonizado por Cacilda Becker. O trabalho bem pago folgava os gastos de Cacilda com a irmã e era uma forma garantida para a menina comprar os seus livros. Até aquele momento, Cleyde sonhava em ser médica, cientista. Teatro era uma deliciosa brincadeira. Com a irmã, fez a histórica montagem de Maria Stuart, com direção de Ziembinski.
; Confesso, sempre fiz teatro de um modo totalmente lúdico. Faço teatro como brincadeira. Se não tiver prazer em fazer da mentira uma verdade, se não estabelecer com o público o pacto de brincarmos juntos, de fazer de conta, o teatro se torna repetitivo e tedioso.
E foi nesse esconde-esconde de personagens que Cleyde Yáconis foi ficando no palco e construindo uma história ímpar. Começou com pequenas participações, passou pelas personagens coadjuvantes até chegar à condição de decidir qual projeto protagonizaria na próxima temporada. Costumava dizer que sempre tinha de dois a três propostas para escolher. A que mais instigava a sua visão humanística era a escolhida.
; Prefiro representar os autores que mostram o ridículo do ser humano, essa besteirada, essa palhaçada, essa irresponsabilidade que os homens estão fazendo com a Terra. Acho fantástico quando os autores teatrais denunciam isso com humor negro, porque nos atingem integralmente e obrigam o ser humano a rir de si mesmo.
Atriz completa
Cleyde Yáconis deu voz a muitos autores. De Shakespeare a Eurípides; de Jorge Andrade a Nelson Rodrigues. Construiu uma carreira que passou incólume às tentações televisivas. Ela, que viu muitos grandes intérpretes dos palcos trocar as peças por telenovelas, manteve-se firme, visitando teleproduções de quando em quando. A última foi o folhetim Passione, quando fez a espevitada Brígida. A TV Globo montou uma estrutura especial para ela gravar a novela. No meio da trama, caiu e quebrou o fêmur. O último espetáculo que fez foi O caminho para Meca, em 2008. Mas apareceu ao público, ano passado, numa série de leituras que homenageava Nelson Rodrigues, quando dividiu a narração das crônicas com Denise Fraga.
A última passagem de Cleyde Yáconis por Brasília foi em 2003 com Longa jornada dia e noite adentro, clássico de Eugene O;Neill, no palco do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Com direção de Naum Alves de Souza e contracenando com Sergio Britto, a atriz dava vida à aristocrata Mary Cava Tyrone que enlouquecia minuto a minuto, numa atuação magistral que lhe rendeu o Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA). Quem viu levará para sempre essa intérprete na memória.
Tuitadas
"Devastado com a partida de Cleyde Yáconis, uma das melhores pessoas com quem tive a honra de trabalhar nesta carreira. E que grande atriz perde o Brasil. Cleyde, sem dúvida, deixou o nome escrito nas estrelas"
@Miguel Falabella,ator, dramaturgo e diretor
"Triste: perdemos Cleide Yáconis! Que grande atriz"
@Gloria Perez, autora de novelas
"Nossa fiquei sabendo agora que triste Cleyde Yáconis morreu, o Brasil perdeu uma grande atriz..."
@Malvino Salvador, ator
"Hoje é um dos dias mais tristes para o teatro Brasileiro. Minha professora! A pessoa que me apresentou o palco! Adeus Cleyde! Triste..."
@Marco Pigossi, ator
"Muito triste com o falecimento de Cleyde Yáconis! Eu a conheci em Passione e tive a honra de trabalhar com la! Talento e generosidade pura"
@Miguel Roncato, ator