Jornal Correio Braziliense

Brasil

Polícia de Minas descobre esquema de tráfico de criança pela internet

Site que arrecada material para gestantes e é usado para oferecer crianças

; Paula Sarapu
; Patrícia Giudice




Eliane foi presa no Hospital Regional de Betim, pressionando médicos e enfermeiros a liberar logo o bebê. Ela se apresentou como amiga de Janaína, a mãe da criança, e deu a ela documentos falsos em nome de Selena Castiel Gualberto, advogada de Rondônia, com quem Janaína fez os contatos pelo blog. Segundo a jovem que deixou o hospital e o bebê para doação, aos quatro meses de gravidez ela colocou um anúncio no blog e recebeu mais de 100 mensagens. A jovem morou três meses na casa da empresária, na Região da Pampulha, em BH, até dar à luz. O delegado Tito Barichello diz que se trata de uma quadrilha suspeita de tráfico de crianças e pediu a apresentação da advogada. No escritório em Rondônia, a informação é de que ela estava viajando.

Diálogos no blog

Mãe: "Sou uma mulher casada e tive uma linda menina no dia 1/9/2013. O único problema é que não tenho como ficar com essa criança, pois eu e meu marido estamos passando dificuldades. (;) Quero somente uma ajuda financeira pois mantive a criança até agora e todos sabem que o período da gravidez é ruim. (;) Não estou vendendo, só quero uma ajuda."

Interessada 1: "Tenho interesse em adotar sua bebê. Sou casada há oito anos, situação financeira estável. O que você precisa de ajuda? Pode ter certeza que daremos tudo do bom e do melhor a sua filha. Entre em contato."

Interessada 2: "Tenho interesse em adotar a sua bebê, gostaria de maiores informações sobre você, como: de onde você é? Que tipo de ajuda você necessita? Pois desejo uma adoção legal."

Mãe: "Vendo meu filho de três semanas de vida por R$ 3 mil, preciso do dinheiro urgente. Sou de São Mateus do Sul, quem tiver interesse deixe contato."

Mãe adotiva: "Gente, estou super feliz. Acabei de chegar em casa com a bebê da E. A bebê é linda. A E. chorou muito ao entregar a bebê, mas quando perguntei se ela queria uma ajuda para ficar com a criança ela não quiz. Me implorou para não procurá-la nunca mais e disse que ela chorava porque estava feliz em conseguir alguém pra adotar a bebê. Agradeço muito ao pessoal do blog que me abriu e aqui realizei meu sonho."

Memória: crianças na rede social

Há dois meses, a Polícia Civil e o Ministério Público de Pernambuco começaram a investigar uma página no Facebook que negociava bebês em Recife. A denúncia foi feita pelo jornal Diário de Pernambuco. Na rede social, recém-nascidos eram vendidos em lances que variavam entre R$ 7 mil e R$ 10 mil. Muitas mulheres ainda estavam grávidas quando faziam a oferta. Nos posts, elas deixavam claro que estavam vendendo os filhos: "Então, não estou doando, estou vendendo". O contato era feito inicialmente por meio da página "Quero doar. Adotar seu bebê - Recife PE", que foi retirada do ar.


Mais de 100 bebês foram doados nos hospitais mineiros em três anos


Em Belo Horizonte, 124 crianças foram doadas, ainda na maternidade, nos últimos três anos, segundo a Vara da Infância e da Adolescência. Psicóloga do Setor de Estudos Familiares do órgão, Mônica Gonçalves Fonseca Pinheiro explica que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante à mulher o direito de manifestar interesse de entregar o filho à adoção. No caso dos recém-nascidos, basta acionar a assistência social dos hospitais, aciona o Juizado da Infância e Juventude ou o Conselho Tutelar.

Segundo a psicóloga, a legislação prevê que o primeiro direito da criança é ficar na família de origem, mas, caso não haja interesse ou estrutura, o juiz concede a guarda para pessoa habilitada na fila de espera. Em BH, há 93 casais cadastrados e 20 solteiros já aprovados pela Justiça para adotar uma criança.

A psicóloga conta que a Justiça é chamada quando o hospital identifica riscos de abandono da criança ou a manifestação do interesse de entregá-la para a adoção. Há casos em que a mãe informa dados falsos e simplesmente deixa o bebê no hospital, por falta de conhecimento e dificuldade em tomar a decisão. Se a parturiente não quiser identificar parentes, pode solicitar que o bebê passe à responsabilidade da Justiça. "É direito dela fazer entrega para adoção. O que é crime é registrar como seu o filho de terceiros ou quando há dinheiro nas adoção ilegal", ressalta.

Mônica reconhece a dificuldade de controlar as adoções à brasileira e diz que é comum famílias que receberam a criança pleitear na Justiça a adoção legal. "Aí, fica a cargo do juiz a decisão". Em 2010, 29 crianças foram doadas em maternidades da capital; em 2011, foram 43; em 2012, 36 bebês foram encaminhados à adoção desta forma. Este ano, até o momento, já são 16 crianças.