Brasil

Polícia de Minas descobre esquema de tráfico de criança pela internet

Site que arrecada material para gestantes e é usado para oferecer crianças

postado em 13/09/2013 08:15
; Paula Sarapu
; Patrícia Giudice


Suspeita é presa durante operação da políciaO caso da jovem grávida que anunciou a doação do filho em um blog e deu entrada para a cesariana num hospital de Betim, na Grande BH, com documentos de uma advogada de Rondônia, que receberia a criança, mostra que a adoção à brasileira, mesmo contra a lei, não saiu de moda e ganha mais força com a internet. O delegado Tito Barichello, que anteontem prendeu em flagrante a empresária Eliane Azzi, suspeita de intermediar o tráfico de crianças, vai investigar a atuação de uma suposta quadrilha no blog querodoar.webnode.com.br. Nessa quinta-feira (12/9), ele pediu a prorrogação da prisão da acusada, que entrou com habeas corpus na Justiça.

Na rede social, o blog usado por Janaína Resende Carvalho, de 24 anos, virou fórum de discussão, inclusive com denúncias de pessoas que agenciam esse tipo de negociação. Os depoimentos mostram mães biológicas querendo doar filhos, normalmente alegando falta de condições financeiras, e famílias à procura de crianças. Há quem peça uma "ajuda de custo", mas a repercussão da prisão da empresária Eliane fez o administrador lançar um alerta, informando ser crime oferecer ou adotar criança em troca de dinheiro ou sem passar pelo Juizado da Infância e Juventude.

No blog, o administrador diz que o espaço foi criado para doar "coisas" e não vidas. Mas os posts que seguem são de mulheres que querem entregar os filhos, ainda em gestação ou mesmo crescidos, e muitas que querem adotar. Ontem, mesmo diante da divulgação do caso de Betim, uma mulher pedia informações se alguma mãe biológica no Rio de Janeiro tinha interesse em doar uma criança de até 2 anos. Em outro caso, uma moça escreve: "Olha, dói muito dar minha menina, mas que opção eu tenho, aluguel atrasado, pelo menos ela terá um lar e eu vou poder arrumar um serviço". Uma mulher responde: "Eu te ajudo no que for preciso em troca do bebê".

Muitas não deixam nomes, enquanto outras deixam na página telefones pessoais e e-mails para contato. "Entrem em contato comigo, mamães. Não façam aborto", diz uma mulher. "Quero doar minha filha que amo muito, estou triste com a decisão, mas não sei o que fazer", diz outra mulher. Uma terceira responde: "Me liga", deixando seu contato.

Cadeia

O advogado da assessoria jurídica do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) Ronner Botelho alerta sobre as negociações no site. Segundo ele, o Código Penal considera crime registrar o filho de outra pessoa, ocultar recém-nascido ou substituí-lo, dar parto alheio como próprio, abandonar o incapaz e deixá-lo exposto ao risco. Todas com pena de prisão. Se envolver dinheiro, mesmo que seja por ajuda de custo, como mulheres oferecem no site, o juiz pode decidir aumento da pena. "O grande problema do site é que o processo de adoção tem de passar pelo Judiciário, com participação das as partes, do Ministério Público, e o interessado deve estar habilitado", explicou. Disse que manifestar o desejo de doar, mesmo pela internet, não é crime. Mas a situação se complica quando começa uma negociação.



Eliane foi presa no Hospital Regional de Betim, pressionando médicos e enfermeiros a liberar logo o bebê. Ela se apresentou como amiga de Janaína, a mãe da criança, e deu a ela documentos falsos em nome de Selena Castiel Gualberto, advogada de Rondônia, com quem Janaína fez os contatos pelo blog. Segundo a jovem que deixou o hospital e o bebê para doação, aos quatro meses de gravidez ela colocou um anúncio no blog e recebeu mais de 100 mensagens. A jovem morou três meses na casa da empresária, na Região da Pampulha, em BH, até dar à luz. O delegado Tito Barichello diz que se trata de uma quadrilha suspeita de tráfico de crianças e pediu a apresentação da advogada. No escritório em Rondônia, a informação é de que ela estava viajando.

No blog, internautas trocam mensagens oferecendo recém-nascidos e crianças pequenas para interessados em adoçãoDiálogos no blog

Mãe: "Sou uma mulher casada e tive uma linda menina no dia 1/9/2013. O único problema é que não tenho como ficar com essa criança, pois eu e meu marido estamos passando dificuldades. (;) Quero somente uma ajuda financeira pois mantive a criança até agora e todos sabem que o período da gravidez é ruim. (;) Não estou vendendo, só quero uma ajuda."

Interessada 1: "Tenho interesse em adotar sua bebê. Sou casada há oito anos, situação financeira estável. O que você precisa de ajuda? Pode ter certeza que daremos tudo do bom e do melhor a sua filha. Entre em contato."

Interessada 2: "Tenho interesse em adotar a sua bebê, gostaria de maiores informações sobre você, como: de onde você é? Que tipo de ajuda você necessita? Pois desejo uma adoção legal."

Mãe: "Vendo meu filho de três semanas de vida por R$ 3 mil, preciso do dinheiro urgente. Sou de São Mateus do Sul, quem tiver interesse deixe contato."

Mãe adotiva: "Gente, estou super feliz. Acabei de chegar em casa com a bebê da E. A bebê é linda. A E. chorou muito ao entregar a bebê, mas quando perguntei se ela queria uma ajuda para ficar com a criança ela não quiz. Me implorou para não procurá-la nunca mais e disse que ela chorava porque estava feliz em conseguir alguém pra adotar a bebê. Agradeço muito ao pessoal do blog que me abriu e aqui realizei meu sonho."

Memória: crianças na rede social

Há dois meses, a Polícia Civil e o Ministério Público de Pernambuco começaram a investigar uma página no Facebook que negociava bebês em Recife. A denúncia foi feita pelo jornal Diário de Pernambuco. Na rede social, recém-nascidos eram vendidos em lances que variavam entre R$ 7 mil e R$ 10 mil. Muitas mulheres ainda estavam grávidas quando faziam a oferta. Nos posts, elas deixavam claro que estavam vendendo os filhos: "Então, não estou doando, estou vendendo". O contato era feito inicialmente por meio da página "Quero doar. Adotar seu bebê - Recife PE", que foi retirada do ar.


Mais de 100 bebês foram doados nos hospitais mineiros em três anos


Em Belo Horizonte, 124 crianças foram doadas, ainda na maternidade, nos últimos três anos, segundo a Vara da Infância e da Adolescência. Psicóloga do Setor de Estudos Familiares do órgão, Mônica Gonçalves Fonseca Pinheiro explica que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante à mulher o direito de manifestar interesse de entregar o filho à adoção. No caso dos recém-nascidos, basta acionar a assistência social dos hospitais, aciona o Juizado da Infância e Juventude ou o Conselho Tutelar.

Segundo a psicóloga, a legislação prevê que o primeiro direito da criança é ficar na família de origem, mas, caso não haja interesse ou estrutura, o juiz concede a guarda para pessoa habilitada na fila de espera. Em BH, há 93 casais cadastrados e 20 solteiros já aprovados pela Justiça para adotar uma criança.

A psicóloga conta que a Justiça é chamada quando o hospital identifica riscos de abandono da criança ou a manifestação do interesse de entregá-la para a adoção. Há casos em que a mãe informa dados falsos e simplesmente deixa o bebê no hospital, por falta de conhecimento e dificuldade em tomar a decisão. Se a parturiente não quiser identificar parentes, pode solicitar que o bebê passe à responsabilidade da Justiça. "É direito dela fazer entrega para adoção. O que é crime é registrar como seu o filho de terceiros ou quando há dinheiro nas adoção ilegal", ressalta.

Mônica reconhece a dificuldade de controlar as adoções à brasileira e diz que é comum famílias que receberam a criança pleitear na Justiça a adoção legal. "Aí, fica a cargo do juiz a decisão". Em 2010, 29 crianças foram doadas em maternidades da capital; em 2011, foram 43; em 2012, 36 bebês foram encaminhados à adoção desta forma. Este ano, até o momento, já são 16 crianças.

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