Brasil

Justiça do Rio suspende processo de reintegração do Quilombo das Guerreiras

O local ficou abandonado por mais de 20 anos e foi ocupado em 2006 por famílias sem teto, que chamaram o lugar de Quilombo das Guerreiras

postado em 24/09/2013 22:40
Rio de Janeiro ; A Justiça suspendeu por 120 dias o processo de reintegração de posse do prédio onde funcionou o Departamento de Engenharia da Companhia Docas do Rio de Janeiro, na Avenida Francisco Bicalho, na zona portuária. O local ficou abandonado por mais de 20 anos e foi ocupado em 2006 por famílias sem teto, que chamaram o lugar de Quilombo das Guerreiras.

O terreno pertencia à União e um decreto do dia 10 de setembro autoriza o município a ;declarar de utilidade pública, para fins de desapropriação, o domínio útil; desse e de mais 13 imóveis da Docas, para ;implantação do projeto de revitalização e urbanização da zona portuária;. No dia 18 de setembro foi feita uma audiência pública com a participação de moradores, da defensoria pública e da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (Cdurp), quando a juíza Maria Lúcia Obino Niederauer suspendeu a ordem de reintegração de posse movida pela Docas e determinou que fosse negociada uma solução para a realocação dos moradores.

A ocupação é dividida em duas partes: o prédio da frente, de cinco andares, e um galpão nos fundos, dividido em várias ;casinhas;. Há moradores que estão lá há sete anos e outros que chegaram há dois meses, situações que dividem o Quilombo das Guerreiras.

A dona de casa Joana Cardoso Batista, de 35 anos, mora com o marido há dois meses no galpão. Ela morava no Caju e foi para o Quilombo das Guerreiras por falta de opção. ;Eu estava pagando aluguel, R$ 300, mas meu marido ficou desempregado, aí minha cunhada falou que tinha esse galpão, que o pessoal estava vindo, então a gente veio. Aqui está dando mosquito da dengue, tem esse lixo, de noite tem muito rato. A gente está aqui porque precisa;.

A pipoqueira Laysa Cristina de Oliveira Vieira, de 28 anos, mora no Quilombo das Guerreiras há sete anos, com o marido e dois filhos, de 7 e 8 anos. ;Eu estava no grupo que chegou primeiro. Eu saí de casa porque minha mãe me botou para fora porque eu engravidei. Descobri o lugar quando estava todo mundo para entrar, então vim junto também;.

Laysa trabalha com Antônio Gabriel da Silva, 42 anos, há seis anos na ocupação. Ele diz que houve uma separação dentro do grupo. ;A gente morava no prédio, depois passei para cá. A diferença é que lá tem associação, tipo assim, pessoal sem terra, aí eles vem e desmontam as coisas, aí a gente preferiu vir para o lado de cá, que era melhor, depois vieram mais pessoas. Cada vez está chegando mais gente;.

O jovem Fernando Gabriel da Silva, de 19 anos, está no Quilombo das Guerreiras há sete anos e diz que a ocupação deu uma função social para o local, que estava abandonado. ;A gente vem aqui e vê a realidade da vida. Eu sou mais uma vítima, vim com minha família da Paraíba, não sabia que era ocupação, achei estranho no começo, depois gostei. Muitas pessoas chamam de invasão, a gente chama de ocupação, porque a gente está ocupando um espaço que está abandonado há mais de 20 anos, que não tem função nenhuma, então o certo é ter direito de moradia, uma função social;.

Silva diz que trabalha como camelô e estuda de noite, mas reclama da falta de apoio e condições básicas. ;A gente vive como uma família. A gente encontra vários problemas, já foi na Light, já tentou legalizar a luz, a mesma coisa com a água, não sei porque eles não legalizaram aqui, não vêm tirar esse lixo. A gente procura a prefeitura, mas eles ficam enrolando, dizem que vai demorar muitos meses. A gente não tem apoio e vive escondido da população, só quem está aqui sabe como é que é isso aqui, a rotina nossa, o dia a dia;.

Os moradores do prédio não quiseram falar com a reportagem. De acordo com o coordenador do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Alexandre Angeli de Araújo, os moradores do prédio são defendidos pelo Centro de Defensoria Popular Mariana Criola e tem um processo de pedido de regularização de posse no Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro (Iterj) desde 2007. Quando foram chamados para a audiência, os moradores do galpão procuraram a defensoria.

;Pelo levantamento que a defensoria está fazendo, cerca de 90 famílias moram nos fundos, 14 foram à defensoria, por terem sido citadas para uma audiência no dia 18 de setembro. Então nós estamos apurando ainda a situação de cada núcleo familiar para verificar quanto tempo tem a posse dessas pessoas;, disse Angeli.

De acordo com Angeli, o processo está suspenso para que seja negociada uma solução. ;Estamos aguardando para verificar como será regularizada a situação dessas pessoas. Tudo depende das propostas que vierem e da resposta das pessoas que nós assistimos. Vai depender da comprovação da posse. Apesar de ser uma ação coletiva, vamos individualizar as questões e conversar com cada morador atingido para tentar uma solução digna de moradia, porque, independentemente de qualquer coisa, se forem pessoas que não tem direito a outras questões, que mesmo assim o poder público dê atenção a elas para fins de uma realocação digna;.

A advogada Ana Cláudia Diogo Tavares, do Centro de Assessoria Popular Mariana, explica que a organização acompanha a questão desde a primeira tentativa de reintegração de posse, em 2007, que não foi levada adiante pela Companhia Docas. ;A Docas entrou de novo contra a escola de samba [Unidos da Tijuca, que ocupa outro galpão na região] e demais invasores, mas o acordo é que eles fiquem lá até a finalização das moradias. A juíza suspendeu por 120 dias o processo para que seja negociada a solução também para as pessoas que estão na outra parte do imóvel e que não foram contempladas no projeto;.

O presidente da Cdurp, Alberto Gomes Silva, diz que o órgão está dando assistência aos moradores no local e na intermediação para a construção de novas moradias. ;Estamos fazendo estudo para reacomodar essas famílias e mais algumas de outras ocupações também no centro do Rio. Os terrenos ficam na Rua da Gamboa, perto da Cidade do Samba. O projeto do empreendimento está sendo aprovado e eles conseguiram recursos do Programa Minha Casa, Minha Vida para construir;, disse.

Silva explica que a prefeitura assumiu perante a Docas a responsabilidade pela permanência dos moradores no imóvel, porém, apenas os moradores do prédio, que são assistidos por uma ONG, terão lugar garantido na realocação.

;Essa ocupação tem cerca de um mês que aconteceu, é um outro público, não pertence ao Quilombo das Guerreiras, inclusive eles ficaram muito inseguros com esse outro grupo, que não é ligado a nenhuma organização. O Quilombo das Guerreiras é um movimento organizado, eles estão lá desde 2007 e a gente reconhece a luta deles para conquistar moradia. Desde 2010 quando começamos a trabalhar eles já estavam lá e assumimos o compromisso com eles de que os apoiaríamos nesse empreendimento;.

A Docas informa que vários imóveis da companhia foram desapropriados pela prefeitura, entre eles, O prédio onde funcionou o Departamento de Engenharia, que foi desativado em 1994, quando passou a servir de deposito, portanto, a Docas não responde mais pelo local.

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