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Projetos sociais combatem o trabalho escravo na zona rural de Vargem Grande

Falta de oportunidade leva a maior parte dos trabalhadores a deixar as comunidades onde vivem e se submeterem a longas jornadas de trabalho e privação da liberdade

postado em 06/10/2013 11:37
Vargem Grande (MA) - A falta de oportunidade é o que leva a maior parte dos trabalhadores da zona rural de Vargem Grande, no interior do Maranhão, a deixar as comunidades onde vivem e se submeterem a longas jornadas de trabalho e privação da liberdade. Nos últimos anos, projetos como a Rede Mandioca, desenvolvido pela Cáritas Brasileira Regional do Maranhão - entidade ligada à Igreja Católica - e o Juventude e Gênero no Campo, financiado pela Petrobras, têm buscado gerar renda para os moradores. A Agência Brasil e a TV Brasil visitaram dois povoados: Riacho do Mel e Pequi da Rampa, beneficiados por essas ações.

[SAIBAMAIS]A Rede Mandioca incentiva não apenas a produção de farinha de mandioca, mas de derivados do babaçu e hortaliças. O financiamento vem da Cáritas europeia, que entra com os equipamentos e a capacitação. O que é produzido a própria entidade vende e repassa os recursos aos trabalhadores. A maior parte do que é produzido é adquirido pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), do Ministério da Educação (MEC). Já o Juventude e Gênero consiste na doação de frangos e de sementes para que as comunidades tenham uma fonte de renda. A primeira produção é comprada pela Petrobras e entidades parceiras. Depois, as comunidades devem garantir a venda.

Em Pequi da Rampa, o trabalho da Rede Mandioca resultou em uma horta coletiva irrigada, além de outras plantações. Na comunidade, contam os moradores, já passou-se muita fome. ;Antes era difícil, não era o que a gente espera para o filho da gente. Amanhecia, o filho pedia e a gente não tinha o que dar [de comer], ficava doido;, diz a moradora Isabel Fernandes. A única alternativa era deixar o povoado e passar um ano ou mais trabalhando para conseguir juntar algum dinheiro. Com a ajuda dos programas, os moradores deixaram de sair.

A Rede Mandioca atende a mais de 20 comunidades rurais em Vargem Grande. No município, 46% da população vive na zona rural. Os homens cuidam da plantação de mandioca e da produção da farinha. As mulheres entram com o coco do babaçu, a partir do qual produzem principalmente azeite e biscoitos.

Apesar de bem sucedido em Pequi da Rampa, há povoados em que o projeto não vingou e há também locais onde não é possível tirar o sustento apenas desses produtos, como é o caso de Riacho do Mel, onde o trabalho análogo ao escravo ainda é um problema. Uma das queixas dos trabalhadores é que a maior produção de farinha de mandioca traz também a desvalorização do produto. Atualmente, 30 quilos (kg) de farinha custam R$ 100. O preço já chegou a R$ 10 em tempos de abundância e a R$ 200, em períodos de seca.

;Aqui a vida é difícil. Por muito que a gente lute, para quem tem família grande, tem dia, tem hora, que a gente imagina o que fazer para manter o sustento da família;, diz Ananias dos Reis da Silva, morador de Riacho do Mel. Ele é casado há 25 anos. Teve 12 filhos, e apenas sete estão vivos. Silva acaba de voltar de São Paulo, chegou em janeiro deste ano na comunidade. ;Talvez dá de a gente arrumar um dinheiro para comprar uma coisinha que a gente precisa;, diz.

;Teve época, em 2009 e 2010, que quase todo homem do nosso povoado foi para São Paulo, ficou só aquele que não podia ir. Era rotina. Com a Rede Mandioca, eles continuam indo, mas a gente vê que diminuiu. Alguns já foram cinco vezes. Hoje, dizem que não vão mais, que vão continuar trabalhando aqui, tirando o sustento dele;, explica Inácio Ribeiro Lima, morador e primeiro Conselheiro Fiscal da Associação Comunitária de Riacho do Mel.

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A Rede ajudou José Maria Batista de Sousa. Aos 28 anos, ele foi três vezes trabalhar em São Paulo. ;Me tornei quase escravo mesmo. Passamos quatro dias dormindo no chão. Porque disseram pra gente que não precisava de rede, aí não levemos. Chegamos lá e não tinha nem cama;. A rotina começava às 3h, quando levantava para fazer o almoço. Às 6h, um ônibus levava para a lavoura, onde trabalhava no corte da cana. Ele voltava às 15h, lavava a roupa e fazia o jantar. ;Falei que não ia mais lá não;. Sousa voltou mais duas vezes.

O que o fez ficar foi a família: a mulher e os três filhos. Ele comprou a moto, que tanto queria e começou a plantar na comunidade. Agora, segundo ele, dá para tirar o sustento. Além da Rede Mandioca, ele e a esposa participam do Juventude e Gênero no Campo. O projeto é recém-chegado na comunidade. Eles receberam uma capacitação em São Luís (MA), sementes e irrigação para a horta e 500 frangos, para criar e vender - desses, 100 morreram.

A esposa de Sousa, Maria Aparecida dos Reis Jacob, está otimista. ;Achei ótimo que ele não quer mais sair daqui. Eu falo para ele, se for, pode não contar comigo que eu não espero mais não. É muito difícil ficar sozinha. Agora ele colocou na cabeça, e diz que não vai mais. Estamos cuidando desse aviário e tenho fé que vai dar certo, já está dando certo;.

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