postado em 06/11/2013 20:10
O reforço à privacidade dos usuários é um dos pontos que a pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas (CTS/FGV), Marília Maciel, considera como um dos mais positivos do Marco Civil da Internet, cujo texto está sendo discutido nesta quarta-feira (6/11) na Comissão Geral da Câmara dos Deputados, em Brasília.O relator, deputado Alessandro Molon, reforçou dispositivos que abordavam o tema no texto inicial do Marco Civil. ;O texto do Marco Civil trata agora, de modo bastante claro e específico, que as comunicações e os dados pessoais dos usuários armazenados no Brasil são invioláveis e só podem ser acessados mediante ordem judicial;, disse Marília, em entrevista à Agência Brasil.
O texto pede também às empresas que forneçam informações claras aos usuários sobre o tratamento que vai ser dado aos dados pessoais fornecidos no momento da assinatura do contrato de prestação de serviços na internet ou com plataformas da internet. ;É preciso que a gente saiba de antemão, na hora que vai concordar com aquele contrato, que, muitas vezes é de adesão, quais são os usos que vão ser feitos daquelas informações pessoais;.
O novo texto adverte que os contratos serão nulos se não respeitarem dispositivos básicos de privacidade, além de apontar que a legislação brasileira será aplicada, mesmo se esses dados e comunicações estiverem armazenados fora do Brasil. ;A gente ganha uma garantia que, não importa a jurisdição, a legislação brasileira sobre privacidade será aplicada;.
A pesquisadora do CTS/FGV salientou, porém, a necessidade que, após a aprovação do Marco Civil, seja aprovada com presteza pelo Congresso Nacional o projeto de lei de dados pessoais, que é mais amplo e trata também de relações de consumo fora da internet. O projeto prevê, ainda, a criação de uma autoridade que vai supervisionar se os dispositivos de privacidade estão sendo cumpridos ou não.
O segundo ponto interessante no novo texto, segundo Marília Maciel, é o que trata da garantia do princípio da neutralidade de rede. ;Isso quer dizer que, se eu compro um pacote de um mega ou de cinco megas de internet, o uso que eu vou fazer desses meus megas de velocidade depende das minhas escolhas. Não é o operador que vai dizer o que eu posso acessar. Eu comprei tantos megas e posso acessar texto, video ou fazer um curso de ensino à distância online;.
O assunto é polêmico, disse, porque muitas empresas alegavam que deviam ter o direito de vender pacotes diferenciados, com preços também diferenciados. Marília avaliou que esse modelo inviabiliza um processo amplo de inclusão social no país. ;Porque as pessoas de mais baixa renda, naturalmente, contratariam pacotes mais baratos e esses pacotes só dariam acesso a alguns aplicativos na internet e somente textos. E a gente sabe que o usuário de internet no Brasil não acessa só textos. Pelo contrário. Até acessa mais videos e as redes sociais;.
O novo texto assegura que o usuário vai poder continuar a contratar pacotes de velocidades diferentes, mas, dentro daquela velocidade escolhida, ele poderá acessar qualquer tipo de aplicativo na internet. ;Esse é outro dispositivo interessante que garante os direitos do consumidor e a inclusão digital no Brasil. Acho que essa é uma inovação bastante interessante no texto de lei;.
A última versão do texto traz uma maior clarificação da proposta que os dados dos usuários na internet devem ser armazenados em servidores localizados em território brasileiro. Marília defendeu que o governo brasileiro deveria dar mais condições de mercado, em termos de redução de impostos e do custo da energia elétrica, por exemplo, para que os data centers se localizem no Brasil. ;Não acho que isso deveria ser obrigado por meio de lei;.
Pensando, entretanto, que o governo tem sido firme na proposta de data centers no país, até como resposta ao monitoramento e vigilância das comunicações feitos pelos Estados Unidos, Marília disse que o fato dessa questão ter sido esclarecida foi positivo. A nova versão do texto diz que isso só deverá se aplicar a empresas de grande porte e faturamento, que serão indicados posteriormente em legislação específica. Segundo ela analisou, somente grandes empresas, como Google e Facebook, que têm grande número de usuários no Brasil e que hospedam seus dados fora, por questão econômica, deverão ser incluídas nesse dispositivo.
A pesquisadora acredita que embora o problema seja vendido como uma resposta ao monitoramento das comunicações, isso tem mais a ver com a questão de acesso aos dados em processo de percepção penal. ;As autoridades policiais brasileiras têm dificuldades de ter acesso aos dados dessas pessoas quando elas se encontram hospedadas em outra jurisdição;. Nesses casos, é preciso solicitar uma cooperação judicial internacional que acaba retardando o processo.
Para Marília, trazer esses dados para o Brasil objetiva também facilitar o processo de instrução criminal. Ela advertiu, entretanto, que serão aplicadas todas as proteções que o marco civil traz. ;Ou seja, o acesso a esses dados só pode se dar com ordem judicial. Tanto os dados pessoais, como os registros de conexão à internet, que vão ser guardados por um ano;.
A pesquisadora da FGV ressaltou, por outro lado, que o marco civil é uma lei geral. Detalhes, como a proteção da propriedade intelectual deverão ser objeto de leis específicas. Na consulta pública, a maioria da sociedade civil e dos juristas avaliou que só se deve retirar conteúdo da internet com ordem judicial. Marília lembrou que, em sua última versão, o Marco Civil estabelece que a discussão sobre exceção para o direito autoral deve ser travada no âmbito do projeto de reforma do direito autoral no Brasil, cujo encaminhamento ao Congresso ocorrerá até o início de 2014.
A expectativa é que o Marco Civil da Internet seja votado na semana que vem, ;até porque a presidenta da República colocou o texto em regime de urgência;. Para Marília, o principal ponto que pode dificultar ainda a votação é o relativo à neutralidade de rede, devido ao interesse das companhias de continuar vendendo pacotes diferenciados de prestação de serviços de internet.