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Escravizados no período colonial resistiram como puderam, diz especialista

"Falar das lutas negras é falar disso, dos enfrentamentos, dos embates do outro lado do Atlântico, na travessia, do lado de cá do Atlântico", destaca o professor Nelson Inocêncio, do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade de Brasília

postado em 18/11/2013 14:05
Cachoeira (BA) - Desde que os colonizadores portugueses chegaram ao Brasil, há mais de 500 anos, eles exploraram, inicialmente, a mão de obra indígena. Mas o contato com os homens brancos foi péssimo para a saúde dos indíos. Além disso, os nativos conheciam muito bem o território e fugiam com facilidade.

Por razões econômicas e também em busca de mão de obra qualificada, os portugueses começaram a trazer africanos escravizados para o Brasil. Os negros eram obrigados a vir para um país estranho, numa travessia de barco que levava meses, em condições precárias, para trabalhar forçado.

[SAIBAMAIS]Mas as regras duras da chibata não foram aceitas sem luta. Os negros escravizados resistiram da forma que puderam. ;Falar das lutas negras é falar disso, dos enfrentamentos, dos embates do outro lado do Atlântico, na travessia, do lado de cá do Atlântico. Eu costumo pensar na resistência de uma forma muito ampla;, destaca o professor Nelson Inocêncio, do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade de Brasília.

Para ele, o termo que define a retirada dos negros do Continente Africano é sequestro. ;Este sequestro realmente foi algo absurdo, inominável. O Brasil foi o país que mais importou população africana. Dentro daquele universo de extrema violência existiam articulações coletivas para, de alguma forma, tentar minar o sistema;, ressaltou.

A resistência sempre foi a palavra de ordem de quem era forçado ao trabalho escravo. Mas não foi fácil. Os negros foram caçados e perseguidos. Por isso, procuravam não ficar sozinhos. Em comunidade, era mais fácil sobreviver. Os locais de refúgio começaram a se formar logo após a chegada dos primeiros navios negreiros ao Brasil. Nasciam, assim, os chamados quilombos. O mais famoso deles, o Quilombo dos Palmares, em Alagoas, data do fim do século XVI. Isso quer dizer que pouco depois do início da escravidão, os primeiros negros já começaram a fugir.

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A herança de quem fugiu da escravidão ainda é viva entre os quilombolas. Sirilo Rosa, presidente da Associação Quilombo Kalunga, comunidade no interior de Goiás, conta um pouco da história que já escutou. ;Eu ouvia nossos antepassados falarem que tinha um lugar chamado quilombo mas que eles não sabiam onde era. [Diziam] que esse lugar chamado de quilombo era onde o pessoal que foi escravo fugia e ia pra lá;, lembra. ;Era um lugar isolado e que não tinha nem estrada pra chegar. Eles saíam das casinhas deles, mas não deixavam trilha. Saíam de um lado e chegavam por outro".

A jovem quilombola Edmeia Batista Costa, da comunidade Kaonge, em Cachoeira, na Bahia, também conhece a história de quem veio antes. ;A gente sabe que os antepassados lutaram muito. Muitos apanharam no chicote. Agora a gente não tem mais isso. Graças a Deus, a escravidão já acabou e eles passaram para gente o trabalho e a luta deles para a gente continuar;, conta.

O Brasil têm mais de duas mil e quatrocentas comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares. Elas estão espalhadas em 24 estados e se organizam de forma diferente. A maioria vive da agricultura de subsistência. Ou seja, eles produzem na roça praticamente tudo o que precisam. É o caso de dona Leotéria, lavradora Kalunga. Ela planta mandioca, arroz, milho, cana, feijão de corda, além de frutas, hortaliças e ervas medicinais.

Dona Leotéria diz que nem sempre é fácil, mas que já viveu dias mais difíceis no passado. ;Já foi sofrida a nossa vida. Uma parte foi boa e outra sofrida mas, graças a Deus, nós sobrevivemos. Não tinha rodagem [estrada] por aqui, não tinha médico. A pessoa adoecia, levava para Cavalcante [um dos municípios que compõem o território Kalunga, distante 30km da comunidade] na rede;, recorda. ;Hoje está melhor porque já tem médico, já tem muitas coisas. Hoje já tem até o posto [de saúde] aqui, também. Uma hora tem médico, outra hora não tem. Mas a hora que tem já serve;, resigna-se.

De acordo com a Fundação Cultural Palmares, apenas os estados do Acre e de Roraima e o Distrito Federal não contam com esses remanescentes. Mais de 200 processos de certificação ainda estão sendo analisados e mais de 500 comunidades foram identificadas pela fundação como quilombolas, mas não solicitaram a Certidão de Autodefinição, já que o primeiro passo para ser quilombola, é se reconhecer como tal.

É o famoso sentimento de identidade, como explica Juvani Jovelino, Líder Espiritual da Comunidade Kaonge, na Bahia. ;Ser quilombola é você saber [a origem] os 50% do seu sangue. Não é só negro que é quilombola, porque existe branco também que é quilombola porque tem 50% do sangue que ele não procurou saber de onde vem.;

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