postado em 18/12/2013 21:27
Símbolo maior da luta de combate à violência contra a mulher, a farmacêutica bioquímica Maria da Penha, cuja história de vida inspirou a lei que leva seu nome, queixa-se também da ineficiência, da morosidade e da falta de preparo dos profissionais da magistratura brasileira. Segundo ela, faltam políticas públicas, delegacias da mulher, centros de referência e, também, sensibilidade e capacitação dos profissionais ligados ao Judiciário para lidar com casos, como o vivido por ela. Maria da Penha foi a entrevistada do Programa 3 a 1, exibido na noite de hoje (18) na TV Brasil.Ocorrido em 1983, o caso de violência contra a farmacêutica bioquímica ganhou repercussão e, apesar da morosidade da Justiça, resultou na principal ferramenta jurídica de defesa das mulheres vítimas de violência. Penha admite que a lei, sozinha, no papel não funciona. ;Falta criar políticas públicas, [e investimentos em] delegacias da mulher, centros de referências da mulher, casa abrigo e juizado;, disse Maria da Penha. ;Mas não adianta ter a política pública se quem está trabalhando não for sensível e não for capacitado;, acrescentou.
A lentidão do Judiciário foi muito criticada por Maria da Penha. ;Eu vi a demora do Poder Judiciário deixando o processo dentro das gavetas e atendendo recursos procrastinadores [impetrados com o objetivo de atrasar o processo];. Penha lembrou que no primeiro julgamento o marido foi condenado a uma pena de oito anos, mas acabou livre por causa de recursos.
;Nesse momento, eu fiquei muito angustiada. Já era uma conduta do Judiciário garantir a impunidade dos agressores na época;, disse, ao lembrar dos efeitos que a situação causava em sua família. ;Precisamos criar nossos filhos em um ambiente saudável, um ambiente sem violência;. ;E não adianta ter a política pública se quem está trabalhando não for sensível e não for capacitado. Mudar a cultura é difícil. Tem de haver um olhar público para quem tem a responsabilidade de aplicar e de dar agilidade aos processos;.
Penha considera a divulgação de casos como o dela muito importante. ;[Por isso] vou escrever um livro e contar minha história;, anunciou durante o programa. ;O livro vai mostrar que o Poder Judiciário não faz justiça e que as políticas públicas que devem ser criadas para atender a lei não existem. [E mostrar que] gestor público não se sensibiliza [em casos que envolvem a violência contra mulheres];, revelou Maria da Penha no programa. Ela espera que, com o livro que publicará contando seu caso, as pessoas se conscientizem sobre a importância de fortalecer as políticas públicas que combatam a violência contra a mulher.
Em diversos momentos do programa, Maria da Penha lembrou dos momentos em que foi vítima da violência do ex-marido, que chegou a simular um assalto para esconder da Justiça a agressão que praticara contra ela.
;Numa madrugada eu acordei com um forte estampido dentro do quarto, quis me mexer e não consegui. Pensei: o Marco me matou;. Maria da Penha ficou internada por quatro meses, ainda confusa sobre o que havia ocorrido exatamente, até tomar conhecimento de que o ex-marido havia contado uma versão mentirosa às autoridades, de que o tiro havia sido disparado por um dos assaltantes que entraram na casa. Em outra ocasião, lembrou a farmacêutica, ele tentou eletrocutá-la, danificando o chuveiro elétrico. Na época, as filhas do casal tinham 7, 4 e 2 anos de idade.
Durante a gravação do programa, ela falou da relação entre as filhas e o pai e que, para manter a família, perdoava ;grosserias; e ;condutas; do marido. Ela contou que o ex-marido agredia as crianças com frequência e, que, diante disso, as meninas encararam bem a separação e o fato de a mãe ter denunciado o pai. ;Conversei com ele várias vezes sobre nos separarmos. Mas eu não tinha coragem de enfrentar uma separação sem ele querer, pelo medo que eu tinha dele;. Foram necessários quase 20 anos para que o ex-marido fosse condenado pelo crime que cometeu. Ele ficou preso por dez anos e hoje está livre.