Diário de Pernambuco
A cadeira está vazia. A conta, encerrada. O copo, emborcado e saudoso do dono. O uísque com Coca-Cola repousa no passado. O garçom continua atento às lamúrias, a todas as confissões. Mas o silêncio prevalece. A voz do ídolo se calou. Reginaldo Rossi morreu. E a dor, tão cantada por ele em paixões, desamores, traições, abandonos e lamentos, agora serve à tristeza pela partida súbita do ídolo.
Pobre, de origem humilde, dono de uma cabeleira bem brasileira, Reginaldo Rossi reunia todos os aspectos desprezados por uma indústria do show businness ávida por sinais de perfeição. O sucesso conquistado de forma gradativa, no entanto, demoliu prováveis empecilhos à trajetória artística.
Passeou por sentidos e sensações. Exaltou o Recife, encantou Itamaracá, decifrou a raposa, seduziu mon amour. O mundo visto e o sonegado, nas linguagens cabíveis ao sentimento. Universalizou a boemia, democratizou a roedeira, embaralhou dores e amores. Nas brechas do preconceito, inverteu o rótulo de brega e se fez porta-voz de um gênero marginalizado por cantar o que todos vivem. Abriu a camisa e as mentes, exibiu os pelos e as contradições entre gosto e discriminação, dispensou a meia dos sapatos e desnudou um Brasil doido para se ver e mostrar.
[SAIBAMAIS]Foi rei da simplicidade. Descartou a intelectualidade da língua, preteriu construções rebuscadas, desprezou o afago à crítica. Falou o idioma do plebeu. Em inglês, francês, árabe, japonê, errado, torto e certo. Necessário. Tomou emprestadas expressões do cidadão comum, deu vida aos dilemas das massas, tornou poesias as desventuras de qualquer coração. Fez-se cara, história e sentimento do povo.
Mas os óculos escuros, parceiros de toda sorte, estão órfãos. No balcão, sobra o vazio. Palco e microfone se enchem de ausência, da partida sem hora para voltar. Os fãs, chifrados pela morte, encaram o gole amargo da despedida. E nem adianta lamentar. Rossi pediu a conta da vida. E, com muita saudade, todos nós vamos pagar.