Brasil

No centenário de Abdias Nascimento, luta contra racismo ainda é desafio

Abdias foi o primeiro parlamentar a fazer uma proposta de ações afirmativas no Brasil, em 1983, e que apenas 20 anos depois os princípios apresentados por ele começaram a ser utilizados

postado em 14/03/2014 20:18
No dia em que se comemora os 100 anos de Abdias Nascimento, debates e apresentações culturais prestaram homenagem ao ativista precursor da luta pela igualdade racial no país. Pela manhã desta sexta-feira (13/3), o Clube de Engenharia promoveu o debate Democracia Racial: Atingimos os Objetivos?, onde foram discutidos a democracia racial no Brasil, nos Estados Unidos e na África do Sul.

Na parte da tarde, um grande evento no Centro Cultural Ação da Cidadania reuniu professores, intelectuais e artistas para lembrar o legado deixado pelo escritor em mais de 80 anos de luta contra o racismo. A ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Luiza Bairros, destacou que Abdias foi crucial nessa luta.

;É uma pessoa que viveu muito tempo, então ele viveu e acompanhou a luta antirracista desde os anos 40. De uma certa forma, ele colocou quais eram as principais questões do racismo no Brasil, entre elas a questão da violência policial, que foram temas que permaneceram ao longo do tempo e que permanecem até hoje como desafios importantes a serem superados naquilo que se refere à discriminação contra negros;.

Ela lembra que Abdias foi o primeiro parlamentar a fazer uma proposta de ações afirmativas no Brasil, em 1983, e que apenas 20 anos depois os princípios apresentados por ele começaram a ser utilizados nas políticas públicas, como as cotas raciais nas universidades.



Para o professor da Universidade de São Paulo (USP) Kabengele Munanga, congolense especialista em Antropologia das Populações Afro-Brasileiras, uma das grandes contribuições de Abdias foi a introdução do ensino de história da África e dos negros nas escolas, a partir da publicação das revistas Sankofa e Thoth ; Escriba dos Deuses ; Pensamento dos povos africanos e afrodescendentes, enquanto era senador.

;As duas revistas oferecem textos, imagens e ilustrações que enfocam uma África autêntica e suas contribuições na civilização universal, além de apresentar uma história do negro brasileiro que rompe com a historiografia colonial e racista que até agora permeia muitos livros e materiais didáticos. A Lei 10.639, de 2003, que torna obrigatório o ensino da história do negro e da África no ensino básico brasileiro, pode ser considerada uma consagração das propostas do senador Abdias nas revistas Thoth e Sankofa;.

A professora Elisa Larkin Nascimento, viúva do escritor e diretora do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro), explica que o debate de hoje (14) foi sobre a ;falsa democracia racial; que ainda ocorre no Brasil. ;Essa ideia da democracia racial na verdade, durante muito tempo, funcionou muito mais como um instrumento de opressão, de negação do próprio direito do alvo do racismo se insurgir e combatê-lo e lutar por seus direitos. O resquício pode ser visto nos argumentos contra as políticas de cotas, de que quem trabalha com o conceito de raça é racista. Isso tenta desviar o discurso para um lado de genética e biologia, que não é por onde nós vamos. É uma questão social, histórica e cultural, e também continua a mesma tradição brasileira de negar ao negro seu direito de própria defesa;.

Para a ministra Luiza Bairros, a sociedade brasileira avançou no combate à desigualdade racial e na inserção do negro na sociedade, mas ainda há sérios problemas, com destaque para a questão da segurança pública. ;Os negros continuam sendo os mais abordados pelas polícias, continuamos sendo a maioria nas prisões, a maioria dos que nãos tem acesso a instrumentos legais de defesa que permitam um acesso pleno à justiça. Acho que nessa área a gente ainda tem muito o que caminhar;, diz.

De acordo com a ministra, a Seppir fez, no ano passado, um protocolo para melhorar o acesso do negro à Justiça, especialmente os jovens, em conjunto com Ministério da Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público, Defensoria Pública da União e Ministério Público Federal.

Abdias Nascimento morreu em 2011, aos 97 anos.

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