postado em 06/04/2014 16:56
São Paulo - Destinar vagões e ônibus com assentos exclusivos para mulheres é um tipo de violência e de segregação e não impede que episódios de abuso sexual continue ocorrendo nos espaços públicos, defendem a socióloga Marília Moschkovih e a militante e integrante da Marcha Mundial das Mulheres e da Sempreviva Organização Feminista (SOF) Sonia Coelho.
Para Marília, os vagões exclusivos ou preferenciais para mulheres não podem ser vistos como uma necessidade ou urgência social. Segundo ela, a medida é apenas uma dentre as várias estratégias possíveis para lidar com o problema do assédio em espaços públicos. ;Parece-me que, no caso dessa estratégia, ela não muda absolutamente nada as relações de poder em nossa sociedade. Pelo contrário, restringe a circulação das mulheres no espaço público, o que é um absurdo se as consideramos tão cidadãs quanto os homens;, disse em entrevista à Agência Brasil.
Para a socióloga, os vagões exclusivos ainda reforçam que as mulheres fora deles, nos vagões comuns, estão ;pedindo; violência. ;Restringir a circulação das mulheres no espaço público sempre será uma violência.;
[SAIBAMAIS]A exclusividade dos vagões para mulheres também esbarraria em outro problema, destacou Marília: o da igualdade perante a lei. ;Por princípio, as pessoas têm que ter o direito igual de circular no transporte público. Ao restringir as mulheres em alguns poucos vagões, cria-se também a ideia de que apenas ali é um espaço seguro. Nós queremos que todo espaço público seja seguro para as mulheres;, defendeu a socióloga.
Vagões destinados para mulheres em horários de pico já existem no Rio de Janeiro. Em São Paulo, a ideia foi adotada, sem sucesso, em alguns trens da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) em 1995, mas agora pode virar lei e passar a vigorar em todo o estado. Deputados estaduais paulistas estudam um projeto de lei que pretende obrigar as empresas de transporte público urbano de passageiros a reservar um espaço exclusivo para mulheres. O projeto ainda precisa ser votado em plenário e sancionado pelo governador Geraldo Alckmin.
;Essa é uma política que segrega as mulheres, não protege e não enfrenta o machismo que há no transporte coletivo. Não acreditamos que essa é uma medida que vá resolver o problema do assédio e da violência sexual nos transportes. Em primeiro lugar, não queremos viver em uma sociedade que segrega homens e mulheres, brancos e negros e o que seja. Em segundo lugar, entendemos que essa não é a resposta adequada na medida em que não enfrentamos a situação. Temos que ser respeitadas em todos os espaços públicos;, disse Sonia.
Além disso, a militante da Marcha Mundial para as Mulheres acredita que a medida dificilmente funcionaria em São Paulo, principalmente por causa da superlotação. ;Há momentos em que há 58% de mulheres no transporte público. Como é que se vai destinar mais da metade dos vagões para as mulheres? É uma medida fora da nossa realidade.;
Outra questão que precisa ser encarada, disse Marília, é sobre a definição de quem é mulher, o que poderia gerar preconceitos. ;Homem" e mulher não são categorias fixas, óbvias, nem naturais. Elas foram construídas ao longo da história em nossa cultura e hoje são entendidas como convenções questionáveis por diversas linhas da antropologia e de outras ciências sociais. O Brasil é o país em que mais se mata transgêneros no mundo. Nesse contexto, é ainda mais problemático usar ;homem; e ;mulher; como critério para acesso a um bem que deve ser público, já que as pessoas transexuais tem a sua identidade de homens e mulheres frequentemente negadas por nossa sociedade.;
A desigualdade social, defende Sonia, é um dos fatores que explicam o fato das mulheres continuarem a ser vítimas de abusos e de violência no transporte público. ;É um conjunto de elementos. As mulheres ainda vivem uma desigualdade na sociedade e são vistas como objeto. Vivemos ainda em uma sociedade que mercantiliza o corpo da mulher.; Ela também aponta como fatores a lentidão no Judiciário e a impunidade.
;Os homens pensam que com eles não vai acontecer nada, já que a impunidade é muito grande. Além disso, a sociedade justifica a violência;, disse ela, citando os números de uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que apontou que 26% dos entrevistados concordam com a afirmação de que ;mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas;.
;Mesmo a pesquisa do Ipea tendo errado [a informação inicial informava que 65% das pessoas concordavam com a afirmação], mesmo o número sendo menor, ainda há uma visão na sociedade de que as mulheres são seres disponíveis, um objeto;, criticou ela. Ambas defendem que é preciso buscar alternativas e soluções para evitar que a mulher continue sendo vítima de abusos e de violência, inclusive no transporte público.
Segundo ela, o primeiro ponto é discutir o funcionamento do transporte público, que é insuficiente e superlotado. Depois, discutir sobre a cultura em torno do que homens e mulheres podem e devem fazer em nossa sociedade. ;Quer dizer: é toda uma mentalidade que precisa ser trabalhada e, sobretudo, uma relação com a sexualidade que precisa ser revista.;
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;Quanto ao caso mais específico do assédio no transporte público, é urgente ter uma estrutura sólida de apoio às vítimas. É preciso criar um ambiente em que as mulheres se sintam à vontade para denunciar, sabendo que não serão culpabilizadas pela violência que sofrem. É preciso que os demais passageiros, presenciando uma denúncia, também sejam capazes de, dentro do que é legalmente aceitável e dos princípios de direitos humanos, agirem em apoio à vítima;, defendeu Marília.
Segundo ela, muitas vezes a estrutura institucional que existe para lidar com essas denúncias, como delegacias da mulher e funcionários do metrô, também reproduzem violências contra essas vítimas, tratando-as como culpadas pela agressão sofrida. ;É preciso repensar essas estruturas de apoio se quisermos lidar de maneira eficaz com essa questão, para que ela de fato deixe de existir.;
Outra proposta apontada por Sonia é que os ônibus, trens e metrôs tenham câmeras para que seja possível identificar os agressores. Além disso, devem ser feitas campanhas educativas e preventivas nesses ambientes. Uma ideia, disse ela, seria utilizar as TVs já instaladas no transporte público paulistano para orientar as mulheres sobre esse problema. ;É preciso ter campanhas sistematicamente. Por que não usamos os meios de comunicação no transporte público para fazer coisas educativas?;, disse Sonia.