postado em 07/04/2014 06:00
Enquanto a Copa do Mundo aquece o mercado de prostituição do país, com a vinda de turistas, a formalização dos profissionais do sexo avança em ritmo morno. A dois meses do primeiro jogo, o projeto de lei que define o ofício como profissão segue sem ser votado no Congresso Nacional. No entanto, o reconhecimento dos direitos de garotas e garotos de programa ganha corpo em tribunais do país.
Nos últimos anos, o Brasil assistiu outras questões polêmicas serem definidas apenas ao chegar às cortes: união civil de homossexuais, uso de células-tronco embrionárias e aborto de fetos anencéfalos. A garantia dos direitos trabalhistas a profissionais do sexo caminha a mesma trilha. No Legislativo, o então deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) propôs, em 2003, regularizar a prostituição, mas teve o projeto arquivado. Também na Câmara, o ex-deputado Eduardo Valverde (PT-RO) teve a iniciativa engavetada. Ao apresentar o projeto, em 2012, o deputado Jean Wyllys (Psol-Rj) assumiu a causa.
"Há mais de 10 anos que se tenta regulamentar a atividade dos e das profissionais do sexo, e o Congresso claramente se recusou à discussão. O projeto aguarda a formação da Comissão Especial que avaliará seu mérito, o que esperamos acontecer em breve", afirma Wyllys. O deputado ressalta a realidade de exclusão social vivida pela categoria. "Nem o direito a desempenhar sua atividade em um local com melhores condições eles podem", lamenta. À falta de lei, a questão avança na Justiça.
No caso mais recente, em maio último, o filho de uma prostituta ganhou o direito de receber indenização de R$100 mil por acidente de trabalho em que a mãe, 25, morreu. Antes, ficou tetraplégica por ter caído em serviço, na boate de Piracicaba (SP) alvo da ação. Jornada de trabalho e remuneração serviram de prova do vínculo de emprego, que determinou pagamento de férias, 13; salário e FGTS. Cabe recurso da decisão, de segunda instância, pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15; Região.
Desfechos favoráveis a prostitutas já haviam surgido em cortes trabalhistas gaúchas e mineiras, aponta Renato Muçouçah, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia. Em abril de 2013, ele defendeu, na Universidade de São Paulo (USP), tese de doutorado sobre o exercício profissional de trabalhadores do sexo. No trabalho, o pesquisador lista dois acórdãos anteriores ao paulista em tribunais regionais do trabalho ; de 2009 e 1999 ; e uma decisão de vara do trabalho.
;Acredito que vá haver reconhecimento do vínculo de emprego, em dado momento, pelo Supremo Tribunal Federal. À luz da Constituição, interpretará que os tipos penais relacionados à prostituição são inconstitucionais, incluindo o de manter casa de prostituição, desde que ali não haja exploração sexual;, projeta Muçouçah. ;A prostituição praticada livremente, consentida, de alguém maior de idade, que recebe lucro, não é exploração sexual. Tolhê-la retira um direito fundamental, de liberdade de trabalho.;
Cadastro permite aposentadoria
Ao incluir profissionais do sexo na Classificação Brasileira de Ocupação (CBO), em 2002, o governo reconheceu o ofício como parte do mercado de trabalho nacional. O inscrito pode contribuir para a previdência e aposentar-se pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Uma parcela ínfima de profissionais, porém, faz o cadastro, conforme dados inéditos levantados pelo Ministério do Trabalho a pedido da reportagem. No Distrito Federal, por exemplo, foram feitos apenas dois em 10 anos.
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São Paulo, Maranhão e Pernambuco lideram ; em ordem ; os registros. "Ficamos maravilhados com o resultado do nosso trabalho", conta Maria de Jesus Costa, presidente da Associação de Profissionais do Sexo do Maranhão, que representa cerca de 1100 pessoas. Desde 2002, o estado fez 478 registros. Há barreiras em razão da rotina de trabalho, segundo De Jesus, como é mais conhecida.Postos de gasolina em estradas maranhenses, diz ela, servem de ponto para mulheres que se prostituem apenas aos finais de semana, e viagens de um estado a outro dificultam estimar quantos dedicam-se à prática.
Logo após a inclusão, organizações de classe promoveram palestras e seminários para incentivar os profissionais do sexo a buscarem a inscrição. Dos 1688 cadastros feitos até o fim de 2013, 978 era de 2003 e 2004. ;Um pequeno público se adapta ao registro, mas pedimos que busquem;, conta Cida Vieira, presidente da Associação das Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig). ;Temos prostitutas de 65 anos que não aposentaram, por falta de regularização. Várias senhoras começaram aos 18 e continuam ativas.;