postado em 22/04/2014 20:50
Desde o fechamento do abrigo de haitianos em Brasileia, no Acre, no início deste mês, a Igreja Nossa Senhora da Paz, no centro de São Paulo, vem recebendo uma quantidade muito superior ao que era comum de imigrantes, que chegam à capital em busca de abrigo, comida e encaminhamento para o trabalho. Grande parte dos haitianos chegou a São Paulo vinda do Acre, com passagens pagas pelo governo daquele estado.Até então, Brasileia e Epitaciolândia (AC) eram as cidades que faziam o primeiro acolhimento dos estrangeiros. Nos abrigos, os estrangeiros recebiam alimentação, documentação, serviço de atenção à saúde e oferta de trabalho por parte de representantes de empresas. Com o fechamento do abrigo de Brasileia, os haitianos deixaram o Acre rumo a São Paulo e aos estados da Região Sul: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Segundo o secretário dos Direitos Humanos do estado do Acre, Nilson Mourão, com as cheias do Rio Madeira, o governo estadual foi obrigado a fechar o abrigo para imigrantes na cidade de Brasileia. A cidade, de quase 10 mil habitantes, tinha cerca de 20% de sua população formada por imigrantes haitianos. Nos últimos três anos, mais de 20 mil haitianos passaram por lá, informou o secretário.
Mourão disse à Agência Brasil que dos 2,5 mil haitianos que viviam na cidade, 2,3 mil estavam com os documentos em dia e receberam ajuda do governo do Acre para seguirem para outros estados. O restante foi encaminhado a Rio Branco (capital do estado) para legalizar a documentação. Ele disse que 200 haitianos foram encaminhados diretamente para São Paulo e ocupam, hoje, a Igreja Nossa Senhora da Paz.
Segundo o padre Paolo Parise, do Centro de Estudos Migratórios (CEM), a Paróquia da Paz atende imigrantes desde 1939, oferecendo cobertores, comida, locais para dormir e até alguns encontros de imigrantes com empresários. A igreja também tem ajudado a regularizar a documentação dessas pessoas, mas a estrutura é insuficiente para atender a quantidade de imigrantes, a maioria haitianos, que têm chegado ao local principalmente nos últimos dias.
;Faz oito ou nove dias que eles estão chegando, desde que foi desativado o abrigo lá do Acre. A Secretaria de Direitos Humanos do Acre pensou então em transferi-los para São Paulo para que, daqui, eles possam ir para outros lugares do Brasil. Mas, de fato, quase dois terços [dos imigrantes] ficaram em São Paulo, em situação precária, sem dinheiro para continuar. E eles precisam também de roupas;, disse o padre.
Parise disse, em entrevista nesta terça-feira (22/4) à Agência Brasil, que nos últimos dias passaram quase 400 imigrantes pela igreja. O número praticamente dobrou em relação ao que era rotina no local. ;Chegamos a abrigar 94 pessoas por noite, além da Casa do Migrante,que também acolhe 110 pessoas por noite;, falou.
;O que está acontecendo aqui nos últimos dias é excepcional. Um grande número de imigrantes que, por falta de articulação maior entre os governos, acabou chegando aqui, e nós temos que encontrar respostas para isso. Fazemos nossa parte, mas quem deveria dar as respostas é o Poder Público;, acrescentou o padre Antenor Dalla Vecchia.
Segundo ele, além dos haitianos, a igreja também tem recebido muitas pessoas do Senegal e da República Dominicana, que entram geralmente pelo Acre e chegam a São Paulo. ;Nossa infraestrutura é muito precária para esse tipo de atendimento. É um salão, onde há alguns banheiros, sem chuveiro. Como vamos responder a isso? É uma necessidade básica de uma pessoa. O que oferecemos é um espaço para eles dormirem e fazerem uso dos sanitários;.
De acordo com Paolo Parise, os imigrantes encontram várias dificuldades ao chegar ao país. ;Temos um grupo de 45 pessoas precisando de Carteira de Trabalho. E o tempo de espera para conseguir uma Carteira de Trabalho em São Paulo é um mês e meio, muito tempo;, disse ele. ;É preciso agilizar a documentação. Eles precisam de trabalho, e ficar quase dois meses sem ocupação cria grandes problemas. Precisamos também de uma política de acolhida e de integração, e não somente de entrega de vistos;, ressaltou.
Para Parise, a cidade de São Paulo também precisa criar uma casa de acolhida voltada somente para imigrantes. ;Atualmente, isto está nas mãos da sociedade civil, das igrejas. Então é preciso de uma estrutura pública com essa finalidade, só para acolher imigrantes;, falou.
Jahun Jahun saiu do Haiti há três anos. Passou pela República Dominicana e Peru, entrou no Brasil pelo Acre e vive em São Paulo há mais de dois anos. ;No meu país todo mundo quer viajar. Gosto do Brasil. Vim para conhecer. Aqui é um país muito lindo, mas as condições para se viver aqui não prestam. Para viver não presta;, contou Jahun, que disse à Agência Brasil ser profissional mecânico. Ele já tem a documentação permanente para ficar no Brasil, mas reclamou da falta de condições no país. ;Não quero muito dinheiro, não preciso ficar rico. Mas as condições em que vivo aqui são um pouco ruins, porque não tenho casa normal para receber a família;, falou ele, que já aprendeu a se comunicar em português.
Já Marcel Metellus está no país há mais de dois anos. Ele passou primeiro pela Brasileia, no Acre, e depois ficou três meses em Santa Catarina, trabalhando em uma empresa. Em São Paulo, ele trabalha atualmente em um supermercado, como açougueiro. ;Vim para cá para arrumar um emprego e arrumei. Mas para os haitianos que estão chegando agora é muito difícil. Todos eles estão vindo para São Paulo, mas no Brasil há outros estados onde há bastante emprego;, falou ele.
Dieune Chevy também está no país há mais de dois anos, mas está desempregado. ;Estou há seis meses sem trabalho;, falou ele. Chevy ainda espera conseguir a sua documentação permanente no país. ;Sinceramente, eu gosto do Brasil. Tenho 35 anos. Mas o que não gosto é que o Brasil não regulariza os documentos. Aqui tem um problema a mais: se não tem o Registro Nacional de Estrangeiros (RNE), tem empresas que não te aceitam para trabalhar. E eu não tenho ainda;. Chevy disse querer encontrar um trabalho em breve para poder trazer a família, que inclui três filhos, para São Paulo.
Dos imigrantes que estavam na igreja, na tarde de hoje, 22 foram contratados por uma empresa de Santa Catarina, e estavam de malas prontas para viajar ainda nesta terça-feira. ;Hoje ligaram mais de 14 empresas oferecendo trabalho, e isso estamos tentando encaminhar, controlando para que seja um trabalho registrado, sem exploração;, falou o padre Parise.
Por meio da assessoria de imprensa, a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo informou que foi pega de surpresa, já que o governo do Acre não comunicou a nenhum ente da federação sobre a decisão de fechar o abrigo e de retirar os haitianos de lá. A secretaria calcula que, na última semana, entre 400 e 500 imigrantes tenham chegado à cidade. Por causa dessa situação, hoje ocorreu uma reunião emergencial, envolvendo várias secretarias municipais paulistanas (Saúde, Direitos Humanos, Trabalho e Assistência Social), e amanhã haverá nova reunião com vistas a se criar um plano emergencial que resolva o problema.
A assessoria da prefeitura paulistana confirmou que não há centros públicos municipais voltados ao atendimento de imigrantes, e o Ministério da Justiça não se manifestou ate agora sobre a situação dos haitianos no país.