postado em 23/04/2014 17:25
Rio de Janeiro - "Que Copa do Mundo, que Olimpíadas são essas que acontecem às custas do sangue de jovens inocentes?", grita, aos prantos, a militante de direitos humanos Daisy Carvalho, em meio às barricadas nas ruas que dão acesso à favela Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro.Em menos de dois meses, jornalistas dos cinco continentes que virão trabalhar na Copa do Mundo farão entradas ao vivo desde a Praia de Copacabana. Na noite desta terça-feira (22/3), distante apenas alguns metros de um dos maiores cartões-postais do Rio de Janeiro, a comunidade do Pavão-Pavãozinho ficou em chamas, transbordando de tristeza e de raiva.
"Tudo começou por volta das 17H30. Tem fumaça por toda parte, tiros nas ruas e pessoas correndo, tentando voltar para suas casas. Muitos carros do Bope subiram o morro. Estamos presos dentro de casa, não podemos sair", contou à AFP o estudante francês Etienne, que mora na entrada da favela.
Barricadas incendiadas, trocas de tiros, jovens atirando pedras e garrafas de vidro do alto da favela na direção da polícia, e carros dando meia-volta no túnel que corta a Barata Ribeiro: o bairro mais famoso do Rio de Janeiro não perdia em nada para os cruéis cenários do Oriente Médio.
O anúncio, no início da tarde de terça-feira, da morte do bailarino Douglas Rafael Pereira, o "DG", encontrado morto numa creche da favela, foi o estopim para a onda de fúria que tomou conta dos moradores da comunidade, pacificada desde 2009.
[SAIBAMAIS]"DG", 25 anos, morador da favela, era dançarino do programa Esquenta, da Rede Globo, e orgulho do Pavão-Pavãozinho.
Segundo um amigo do jovem, ele teria sido confundido com um traficante de drogas e espancado até a morte por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora, instalada na comunidade como parte das ações de segurança para a Copa (12 de junho a 13 de julho deste ano) e as Olimpíadas de 2016.
Em comunicado, a polícia disse que "o boletim médico feito no local indica que os ferimentos de Douglas são compatíveis com morte ocasionada por queda".
Mãe do rapaz, a auxiliar de enfermagem Maria de Fátima da Silva questionou a informação oficial. "Ele morreu uma hora da manhã e apresentava marcas de chutes. Só fomos comunicados de sua morte mais de 12 horas depois. Ele estava em posição de defesa, com ferimentos por todo o corpo, mas nenhuma marca de bala", disse a mãe de DG ao portal de notícias G1.
Após o início dos confrontos, policiais que foram cercados pela população conseguiram se esconder numa casa. Eles faziam ameaças de atirar caso os moradores tentassem entrar no local, segundo testemunhas. Com a chegada da tropa de elite da polícia, começou uma troca de tiros. Segundo informaram, traficantes teriam atirado contra eles. Mateus, 27 anos, que participava do protesto, morreu após ser atingido por uma bala na cabeça.
"Minha maior revolta é que ouvi da boca de um policial que eles iriam matar alguém para dar o exemplo. E eles fizeram isso", conta, enfurecida, Daisy Carvalho. "Um deles me chamou de puta e de vadia, dizendo que os defensores dos direitos humanos defendem os bandidos. Eles não têm mãe? As favelas devem se unir e descer às ruas para dizer que nós queremos paz, mas que essa polícia é assassina. Eu mando um alerta aos turistas: não venham durante a Copa do Mundo", diz Daisy.
Os confrontos param. Alguns jovens falam em "guerra". O cheiro de lixo queimado não deixa dúvidas disso. Não é possível ir até as ruas mais escondidas. A eletricidade foi cortada em todo o morro. Uma explosão é ouvida ao longe. Depois, o silêncio.
Um morador levou a equipe de reportagem da AFP até o oitavo andar de um prédio abandonado, onde mora, num apartamento de um cômodo, a empregada doméstica Simone, mãe de sete filhos e mãe adotiva de Mateus.
"Eu queria justiça para os dois, mas a justiça não existe para os pobres", lamentou, abatida, Simone.