postado em 07/06/2014 06:30
Depois de enfrentar muitos constrangimentos, um homem que adotou uma criança sozinho conseguiu na Justiça o direito de colocar um nome fictício para a mãe do filho na Certidão de Nascimento. A decisão inédita da Justiça de Pernambuco, segundo Renato Araújo (nome fictício) evita que, no futuro, a criança acabe sendo alvo de bullying. O problema, segundo ele, é que a maioria das instituições exige o nome materno para fazer cadastros. ;Recentemente, estávamos no hospital e a atendente ficou insistindo que tinha que ter o nome da mãe. Tentei explicar que não existia, mas não adiantou e gerou o maior confusão;, contou.
Diante da situação, Renato decidiu recorrer à Justiça. ;Não vi outra saída. O problema ia se repetir na escola e toda vez que algum órgão exigisse o nome da mãe. Nem todas as pessoas são esclarecidas para entender;, lamentou. Na ação, o pai pediu a inclusão do nome da mãe biológica. ;Mas a Justiça não acatou. Ficou acertado que poderíamos dar um nome, desde que fosse diverso da genitora, pois a partir do momento da adoção, o vínculo jurídico se rompe;, explicou. Embora não tenha sido como desejou, o resultado deixou o pai da criança de três anos muito feliz. ;Outras pessoas poderão se inspirar na gente. Ninguém pode ser excludente, nós temos esse direito;, comenta.
A decisão do último dia 21 destaca que o objetivo é beneficiar a criança. ;O pleito baseia-se no melhor interesse do menor, pois, segundo alega, a ausência do nome materno em seu registro de nascimento já causa e provavelmente causar-lhe-á embaraços ainda maiores em sua vida cotidiana. Entendo que o requisitório, apesar de bastante peculiar, encontra guarida em diversos mandamentos legais, iniciando-se pelos artigos 226 ; 4; e 227 ; 6; da Constituição Federal de 1988, pois ambos posicionam-se no sentido de que a criança deve ter assegurado o respeito e a dignidade, independentemente da formação familiar de que for proveniente;, explica a juíza Paula Maia Malta Teixeira do Rêgo na decisão.
De acordo com magistrada, a inclusão de nome fictício tem amparo legal no Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), do qual o Brasil é signatário desde 1992. O acordo estabelece que é direito legal de todos não só nome e sobrenome, como a inclusão de dados de genitores, mesmo que fictícios, se for necessário. A juíza citou ainda que o Estatuto da Criança e do Adolescente assegura aos menores todas as oportunidades e facilidades para possibilitar o desenvolvimento físico, mental, moral espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
A determinação chamou a atenção da desembargadora aposentada Maria Berenice Dias, especialista em direito homoafetivo e de família, que procurou Renato para cumprimentá-lo e entender melhor a motivação dele. Para ela, foi um avanço. Uma decisão corajosa e de vanguarda. ;Ainda vivemos em uma sociedade onde a ausência do nome do pai ou da mãe tem significação, principalmente o da mãe. Isso poderia causar a criança um desconforto na escola ou em outro meio. Achei atenta a preocupação do pai e legítima a postura da juíza, porque atendeu a uma realidade ainda histórica no nosso país. Talvez daqui a um tempo essa nomeação não tenha tanto significado, mas no momento é importante;, afirma.