Brasil

Índios que saíram da Aldeia Maracanã vão trocar contêiner por apartamento

Depois de um ano e quatro meses, eles vão morar em apartamentos no centro do Rio de Janeiro

postado em 29/06/2014 11:55
Os índios que estão há um ano e quatro meses morando em contêineres na Colônia Curupaiti, na zona oeste do Rio de Janeiro, esperando por uma habitação definitiva, acertam os últimos detalhes para se mudar em julho para seu próximo endereço: um prédio do Programa Minha Casa, Minha Vida no centro da cidade. O grupo é o que aceitou a proposta do governo do estado de sair da ocupação do antigo Museu do Índio antes da reintegração de posse, no ano passado. Eles chegaram a negociar a construção de uma aldeia na colônia, o que não se concretizou. Ainda se acostumando à ideia da moradia verticalizada, os índios cobram as promessas feitas pelo Poder Público e fazem planos para continuar a divulgar sua cultura.

O cacique Carlos Tucano afirmou que o grupo foi vitorioso, porque o governo do estado decidiu não demolir o antigo museu do índio e decretou em dezembro do ano passado que no local será implantado o Centro de Referência da Cultura dos Povos Indígenas. "O prédio ter ficado de pé é um sinal de que a gente avançou. Nosso centro de referência vai ficar ao lado do estádio mais importante do mundo. Acreditamos estará pronto até abril de 2016. Espero que, depois da Copa, não nos esqueçam", disse . Tucano foi, na última terça-feira (24), assinar o contrato para oficializar o financiamento. Morar em um prédio não era o que o cacique esperava quando saiu da ocupação, mas ele conta que o grupo aceitou para ter uma garantia: "Ano que vem pode haver mudança de governo e eles podem continuar mantendo a gente aqui ou não. Com esses apartamentos, temos algo certo".

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Para o cacique, o tamanho do apartamento, de 47 metros quadrados e dois quartos, não será problema para ele e as duas filhas, uma de 24 e outra de 19 anos, mas ele considera que pode ser um obstáculo para um costume que o grupo cultiva desde que morava no prédio vizinho ao estádio: o de receber familiares e índios que estão de passagem pela cidade. "Para isso, ele não vai funcionar tão bem, mas já é melhor do que esses contêineres", lamenta. No mês de abril deste ano, por exemplo, quando muitos participaram de atividades culturais na cidade ligadas ao Dia do Índio, o número de moradores no abrigo provisório passou de 100.

Os índios vão ocupar um dos 48 blocos de apartamentos de cinco andares que já estão prontos e terão as chaves entregues em uma cerimônia com a presidenta Dilma Rousseff prevista para amanhã (30). No total, são 22 moradias, segundo o cacique, que serão entregues a membros do grupo que ocupava o antigo Museu do Índio. A mudança dos cerca de 5 mil moradores do conjunto vai ocorrer a partir da segunda quinzena de julho. Os índios fazem parte da parcela de 35% dos beneficiados que foram indicados pela Defensoria Pública do estado. A maior parte das 998 unidades (65%) será ocupada por famílias de cinco comunidades afetadas pelas chuvas de 2010 e cadastradas pela prefeitura do Rio.

Apesar de se despedirem do ambiente arborizado da Colônia Curupaiti, em Jacarepaguá, onde portadores de hanseníase ficaram em regime de isolamento até 1980, os índios já veem algumas vantagens na mudança, como escapar do calor dos contêineres: "Sofremos com o calor neste ano. Era o que matava a gente. Tinha que tomar banho toda hora para aguentar", diz Tucano.

Desde que foram realojados para o local atual, os contêineres foram trocados uma vez, em fevereiro deste ano, e a mudança das instalações elétricas queimou quatro ventiladores, agravando o problema do calor. O que mais prejudicou o dia a dia dos índios, no entanto, foi a distância do centro: "Fazemos apresentações e palestras em escolas, vendemos nosso artesanato em feiras e na praia. Aqui, ficamos muito longe. Ficamos escondidos", conta o líder, sob as bandeirinhas do Brasil que enfeitam o abrigo provisório durante a Copa do Mundo: "Acompanhamos tudo por essa televisão. Vemos os gastos da Copa e nos indignamos, mas torcemos para o Brasil", diz o cacique, apontando para uma TV de 14 polegadas, cercada de cadeiras de plástico.

A educadora, escritora e artista plástica Vângri Kaingáng, mãe do menino Siritari Katir, de 3 meses, conta que foi à aldeia de sua família, no Rio Grande do Sul, para o bebê nascer junto à sua família. De volta à Colônia Curupaiti e preparando a mudança para o apartamento, ela se preocupa com a infância do filho: "Eu tive uma infância muito livre e, se eu ver que morar em apartamento vai prejudicar meu filho, vou ter que mandá-lo para a minha aldeia. Na nossa cultura, são os avós que ensinam a língua aos netos, e minha mãe já falou que eu posso levá-lo para lá quando parar de amamentar. Se eu fui feliz e vivi minhas tradições, não tenho o direito de tirar isso dele", contou, enquanto amamentava o menino, dentro de um dos contêineres. "Não é o que a gente queria, mas é melhor do que morar como sardinha em lata".

Autora de quatro livros infantojuvenis, ela se divide entre a vontade de voltar para a aldeia e a de continuar no Rio: "Por mim, eu ficava lá com o meu filho, mas aqui está a minha luta para a divulgação da nossa cultura. Eu dediquei anos da minha vida só para isso". Um dos seus sonhos é ajudar a desmistificar a imagem dos povos indígenas: "As pessoas não aceitam que o índio pode ser articulado e falar melhor do que elas. Não aceitam que ele possa ter um bom padrão de vida e continuar sendo índio. Quinhentos anos depois, ainda acham que só temos que ficar na mata pelados. Quando me perguntam se sou índia mesmo, respondo na minha língua".

Ganhando a vida vendendo instrumentos de sopro - uma mistura de flauta e apito de bambu - por R$ 5 ou R$ 10, Pacari Pataxó, de 31 anos, planeja terminar o ensino médio agora que vai voltar a morar perto do centro. O objetivo é cursar engenharia florestal e voltar para a sua aldeia, que fica no Parque Nacional Monte Pascoal, primeira faixa de terra avistada pelos portugueses quando chegaram à América. "Antes, havia a ideia de que os índios brigavam muito. Aqui mostramos que é possível a união, e que a briga tem que ser por demarcações, pela nossa cultura, por saúde e educação nas aldeias".

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