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Brasil se despede de Ariano Suassuna, o homem-espetáculo

Artistas, amigos e admiradores destacam a importância do escritor para a formação cultural do país. O escritor e dramaturgo era um dos principais defensores do pensamento nacional

postado em 24/07/2014 06:05

Artistas, amigos e admiradores destacam a importância do escritor para a formação cultural do país. O escritor e dramaturgo era um dos principais defensores do pensamento nacional

Ariano Suassuna foi uma referência para a história da literatura brasileira. Sessenta e sete anos de produção, iniciados em 1947, com Uma muilher vestida, e encerrados hoje, com um livro inédito e que vinha sendo costurado nas últimas quatro décadas. A morte do escritor
causou comoção no mundo literário.

Confira as reações:

;Certa vez, eu estava organizando um projeto de colaboração entre Brasil e Portugal, que incluía o escritor Ariano Suassuna. Fui até a casa dele e pedi um currículo. Quando somos muito jovens, fazemos essas tolices. Ariano olhou para mim e falou: bote que escrevi o Auto da compadecida e O romance d;a pedra do reino. Era bastante, mesmo. Passados tantos anos, eu acrescentaria o seu trabalho missionário pela causa da cultura popular brasileira: as aulas-espetáculo, que conquistaram todas as plateias, sobretudo os jovens. E relato nosso último encontro no aeroporto de Petrolina. Ariano vinha de uma jornada de aulas pelo seco sertão de Pernambuco e caiu, quando tropeçou numas cadeiras. Perguntei por que ele não se aquietava, pois já não precisa viajar tanto, o que é sempre um sacrifício. E ele falou que prefere morrer na estrada a viver esquecido dentro de casa. Uma escolha de homem valente;
Ronaldo Correia de Brito, escritor

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;Ariano foi um intelectual digno, sério, brilhante; um amigo ímpar. Ariano sempre foi a fonte de minha inspiração e da minha busca. Considero o Movimento Amorial o momento culminante da cultura brasileira. Quando pedi para ele ler meu primeiro romance, ele me deu uma resposta que eu nunca mais esqueci. Eu cheguei e disse assim: ;Seu Ariano, será que o senhor pode ler o meu primeiro livro meu?;. Ele disse ; e veja que resposta arretada ; ;eu vou ler o livro, sim, mas, se eu não gostar, significa que eu não gostei, não significa que não presta. Não fique preocupado com minha opinião;. E aí, quando voltei outro dia, ele disse que o escritor ;era muito bom, mas o gramático era incompetente;. Resultado: ele me indicou alguns livros, eu voltei pra casa e fui estudar, fui me dedicar;
Raimundo Carrero, escritor

;É preciso reconhecer que falar de Ariano Suassuna é falar de um escritor fora do comum. Melhor seria, talvez, nem tratá-lo por escritor. Melhor seria tratá-lo por artista, uma vez que espraiou sua intuição por gêneros literários e extra-literários. Começando pela poesia, escreveu teatro, romance, ensaio, trabalhou com desenho, pintura e tapeçaria. E, não achando mais em que exercitar seu múltiplo talento, terminou inventando um gênero só seu, batizado por ele de iluminogravura ; trabalho que integra poesia e pintura;
Carlos Newton Jr, pesquisador

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;Considero Ariano meu padrinho de arte. Foi um dos maiores incentivadores do meu trabalho. Ele foi um anjo na minha vida, me ajudou muito. Quando ele disse que, na opinião dele, eu era o melhor xilogravurista, todo mundo acreditou. Levei sorte, e até hoje aproveito isso. Sempre o admirei em todos os pontos. Outro igual a ele nunca vai ter;
Jota Borges, xilogravurista

;O Movimento Armorial influenciou bastante o meu trabalho. Quando o movimento surgiu, eu já observava, já consumia, através da influência dos meus pais. A influência passou, depois, para a minha história de músico: fui integrante do Quarteto Romançal, fiz a trilha sonora da minissérie da Globo baseada em Auto da compadecida, escrevi as composições para a adaptação teatral de Fernando e Isaura. Com Ariano, o nordestino começou a se enxergar melhor. Quando você vai criar uma trilha para uma peça, você fica completamente íntimo da obra, porque você tem que ler e reler inúmeras vezes para entrar no seu universo sonoro. Fernando e Isaura me marcaram muito. É como se fossem o Tristão e a Isolda do Nordeste;
Sérgio Campelo, músico

;Ariano foi quem primeiro descobriu a minha poesia, casualmente, até. Ele estava em nossa casa e, um dia, nós estávamos fazendo uma brincadeira e ele disse: ;cada um escreva uma frase; e aí eu escrevi uma frase: ;certa vez, eu encontrei um peixe;. Então, Ariano tirou essa frase e disse: ;quem foi que escreveu isso?;. Eu disse: ;fui eu;. Então ele disse: ;você é poeta? Você é poeta!’. Aí eu disse: ;não, não, não.; Então, minha filha disse: ;ela faz poesia e esconde!’. E Ariano disse: ;você não vai esconder isso de mim, não é, Deborah?;. Aí eu comecei a mostrar, mostrei essa poesia para ele. Ele, então, me estimulou muito. Inclusive, me ajudou a selecionar os poemas do meu primeiro livro. Na verdade, eu conheço Ariano desde a época da faculdade. Sempre foi um rapaz de muito valor, muito engraçado, a quem eu considero uma pessoa extraordinária, um amigo a quem prezo muito e admiro;
Deborah Brennand, poeta

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;Em 1970, em função da execução de uma obra de Bach (o Concerto em Mi maior para violino), fui convidado por Ariano Suassuna a integrar o Quinteto Armorial. Foi muito significativo para mim conhecê-lo com aquela idade. Desde então, a sua presença, tanto na minha vida de artista quanto na pessoal, só foi crescendo. A partir desse convite, fui, ao longo dos anos, direcionando a minha vocação de artista generalista ou multidisciplinar, como alguns dizem. Trabalhamos juntos várias vezes. Eu não teria receio em dizer que muito da minha visão do mundo tem a influência dele. Acho que Ariano foi uma das mais significativas representações do arquétipo do pai que o Brasil já teve. A obra dele com a qual mais me identifico e gosto é A pedra do reino;
Antônio Carlos Nóbrega, músico e bailarino

;Costumo dizer que minha história com Ariano tem duas partes. A primeira aconteceu na adolescência por meio da amizade com Mariana, uma de suas filhas. Nesse momento, conheci o pai (que logo adotei para mim), compreensivo, contador de casos e, apesar de ser o centro de todas as atenções, era um homem discreto e de uma palavra só. A segunda ocorreu anos depois, quando já nem morava mais no Brasil. Deparei-me com o artista. Foi em 1989, quando li pela primeira vez O Romance d;a pedra do reino. Estava trabalhando na Tunísia e um conhecido brasileiro me trouxe um velho exemplar para eu ler. Todos os dias, a leitura daquelas páginas me dava um enorme prazer. Havia algo nelas de grandioso e belo que me faziam sentir brasileira e além. Faziam-me grande. Essa relação que estava sendo tecida entre eu e o livro não era uma cumplicidade de cenários e sim uma cumplicidade de sentimentos, pensamentos e símbolos. Era tão universal ao mesmo tempo que específico! Essa leitura dirigiu meus olhos de volta a Ariano e iniciou uma cumplicidade estética que dura até nossos dias. Não somente as obras de Ariano me inspiram na busca por uma linguagem de Dança Armorial, mas seus textos e entrevistas também;
Maria Paula Costa Rêgo, coreógrafa

Livros comentados

O rico avarento (1954)

Suassuna foi buscar na comédia O avarento, do francês Moli;re, o material para esta peça e transpôs para o ambiente nordestino a história do sujeito mão-de-vaca que inferniza a vida de quem está ao seu redor. Na peça, Suassuna manda o coronel Tirateima, que nunca dá uma esmola e não relaxa com dinheiro, para o inferno. Quando o diabo vai buscar o coronel, ele explica ter se travestido inúmeras vezes de mendigo e batido à porta do coronel. Mas para demonstrar que a bondade ronda o universo popular, Nossa Senhora concede uma segunda chance ao coronel e o manda de volta para a terra. Lá, em vez de fazer uma revisão de seu comportamento, o coronel se aproveita mais um bocadinho da situação e vai aperfeiçoar a avareza.

Auto da compadecida (1955)

Nona peça de Ariano Suassuna, publicada em 1955, narra a trajetória de Chicó e João Grilo, o primeiro um sujeito medroso e o segundo, um esperto sempre pronto para tirar proveito de qualquer situação. O texto recupera a linguagem de cordel e a lapida com a erudição que Suassuna imprimia naturalmente em seus escritos. O trabalho é tão precioso e a ponte com o universo popular tão delicadamente construída que fez o crítico Sábato Magaldi identificá-lo como um marco da literatura popular moderna brasileira. Suassuna sabia que havia muito de sua própria vivência sertaneja nos personagens que escrevia e, em 2002, durante entrevista ao programa Roda Viva, ele revelou que gostaria de ser João Grilo, mas que parecia mesmo era com Chicó. ;Entre João Grilo e Chicó, João Grilo representa o que eu mais gostaria de ser, uma pessoa stuciosa, mas eu sou mais um mentiroso fantasista, como Chicó. Pode dizer que sou uma mistura dos dois, com uma predominância de Chicó;, disse. Romanceiro popular, poesia medieval e um bocado de influência barroca viraram uma das obras mais importantes da dramaturgia brasileira nas mãos de Suassuna.

Farsa da boa
preguiça (1960)


Suassuna dizia que A farsa era sua peça preferida. ;Porque eu fiz uma peça em verso, que marcou minha distância do regionalismo e de qualquer pretensão de um realismo mal-entendido;, contou o autor em 2006, durante entrevista à TV Paulo Freire. A história do poeta que não quer trabalhar porque precisa do ócio criativo para compor versos e acaba por ganhar muito dinheiro e depois perder tudo foi criticada quando publicada, em 1960. ;Certos setores do pensamento;, como escreveu Suassuna na introdução da peça, disseram que o texto aconselhava o povo brasileiro à ;preguiça e ao conformismo;. Dois temas eram centrais na peça. O primeiro, o ócio criativo, ponto de partida para Suassuna refletir sobre a identidade brasileira e a necessidade de proteger a cultura nacional das apropriações europeias. O segundo tema falava de dois Brasis: um do povo trabalhador e outro da burguesia cosmopolita, ;castrado, sem-vergonha e superficial;. De fato, na peça, o poeta Simão é desafiado pelo rico Aderaldo, que se apaixonou pela mulher do trovador.


Romance d;A pedra do reino e o príncipe do sangue do
vai-e-volta (1971)


O romance mais importante e conhecido de Suassuna resultou da união de duas figuras míticas. O autor quis homenagear o pai, morto quando ele tinha 3 anos, e falar de um episódio importante na história de Pernambuco que remetia a dom Sebastião, o rei português desaparecido em combate cujo retorno foi eternamente esperado para salvar Portugal dos espanhóis. No livro, Suassuna retoma o episódio no qual uma seita de Pernambuca tenta trazer de volta dom Sebastião no século 19. O autor levou uma década para escrever o livro, publicado em 1971 e narrado pelo subversivo Quaderna, auto-proclamado descendente da realeza brasileira e inspirado em Policarpo Quaresma, o general nacionalista de Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto.

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