Brasil

Relatório da Comissão da Verdade terá recomendações sobre questão indígena

O relatório será impresso e entregue à presidenta Dilma Rousseff no dia 10 de dezembro

postado em 03/11/2014 21:00
Entre as 30 recomendações que integrarão o relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), três abordarão a questão indígena, disse hoje (3) Maria Rita Kehl, membro da comissão. ;Consegui que fossem aprovadas três [recomendações] que considero as mais importantes: a criação de uma comissão da verdade indígena para esta questão continuar; a desintrusão atual das terras indígenas e a homologação, tirando quem está ocupando e homologando [as terras]; e a recuperação ambiental das terras;, falou ela.

O capítulo que aborda a questão indígena terá quase 60 páginas. O relatório, que já foi discutido pelos membros da CNV, será impresso e entregue à presidenta Dilma Rousseff no dia 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos.

;Os povos indígenas talvez tenham sido os mais afetados pela ditadura militar;, ressaltou Maria Rita durante audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo para discutir a violência contra indígenas no regime militar. Segundo ela, a CNV estima que cerca de 8 mil índios sofreram algum tipo de violência na ditadura brasileira.

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O número, no entanto, pode ser bem superior, destacou ela. ;No relatório final estimamos, embora seja um número difícil de concluir, 8 mil índios afetados por políticas de Estado que passaram por cima dos direitos indígenas;, disse ela, durante audiência organizada pela Comissão Estadual da Verdade, de São Paulo (CEV-SP).

;A projeção de 8 mil índios afetados por essa política é algo que não pode ser simplesmente desconsiderado. Foi uma política sistemática de desrespeito, desrespeitando culturas e o patrimônio constitutivo do país;, disse Orlando Villas Boas Filho, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, que participou hoje (3) da audiência pública.

Segundo Marcelo Zelic, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, que contribuiu com a CNV no trabalho envolvendo a questão indígena, o número de índios atingidos pela violência do Estado ;é muito maior;, mas muito difícil de ser determinado. ;O mais fundamental [do relatório] é se entender os mecanismos de violência que o Estado engendrou contra os indígenas;, disse ele.

Essa violência, segundo Maria Rita, atingiu diversas etnias indígenas, tais como os guaranis kaiowás, os yanomamis, os pataxós e, principalmente, os suruí - único grupo indígena que recebeu anistia. ;Os suruí, da região da floresta amazônica, talvez tenham sido os mais afetados [na ditadura]. Eles, que estavam na mata, isolados, foram escravizados pelo Exército. Tiveram que sair das aldeias, forçados. Eles não sabiam o que eram terroristas ou o que estava acontecendo, mas foram muito maltratados;, disse ela.

A violência contra os índios, explicou, foi motivada principalmente por causa da terra. ;O Estado queria as terras deles;, disse ela. O tipo de violência variava entre agressões físicas, como ter os pés amarrados em troncos ou ficarem presos em presídios irregulares e improvisados, sob sol e chuva, até serem vítimas de bombas de napalm (incendiárias) jogadas nas tribos. ;Outra forma de violência sutil, mas mais exterminadora, era a de não vacinar os funcionários encarregados das frentes de aproximação. Isso é uma omissão intencional, um descaso que mostra que quanto mais índios morressem, melhor;, destacou.

Para o presidente da CEV-SP, deputado federal Adriano Diogo, a intenção da comissão estadual, que será estendida até março do próximo ano, é continuar com os trabalhos que envolvem a investigação da questão indígena, mesmo após a entrega do relatório final da CNV. ;A questão indígena [na ditadura] é pouco conhecida, pouco divulgada e muito proibida, porque a violência continua até hoje;, falou ele.

Para Zelic, o capítulo do relatório final da CNV, que trata sobre os índios, é apenas um ;começo de conversa; com a sociedade. ;Só demos os primeiros passos de apuração. O volume de crimes mapeados é inúmeras vezes maior [do] que o citado no relatório. Temos um conjunto documental de mais de 600 mil páginas levantadas, e chegamos a apenas 12% do material verificado;, disse ele.

Segundo Zelic, o relatório será importante, não para pedir a punição dos violadores dos direitos indígenas, mas, principalmente, para a reparação desses povos. ;Mais do que a punição, que individualiza [o crime] e é importante para a não repetição [do ato], estão a reparação e a mudança de conduta do Estado;, enfatizou, acrescentando que, por reparação, ele entende principalmente a demarcação das terras indígenas.

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