postado em 27/11/2014 06:03
A decisão sobre a guarda de uma criança em caso de separação dos pais não depende mais da natureza do relacionamento deles, se conflituoso ou não. O Senado Federal aprovou, na tarde de ontem, projeto de lei que define o cuidado compartilhado como regra, mesmo se não houver acordo entre pai e mãe. A proposta, que agora segue para sanção presidencial, altera a legislação atual, que indicava a guarda dividida ;sempre que possível;. Pais, especialistas e entidades da sociedade civil comemoraram a aprovação. No entanto, há preocupação com a execução prática da proposta, caso se torne lei.
Presidente da Associação dos Pais e Mães Separados (Apase), Arnaldino Rodrigues Paulino, é um dos entusiastas da proposta. ;É um avanço imenso. Esperamos agora que a presidente Dilma sancione o projeto sem nenhum veto;, afirma. A Apase está envolvida na luta pela guarda compartilhada desde o ano 2000. ;Em 2008, a lei foi aprovada, mas numa forma que não era a que a sociedade já vivia e queria. No momento da decisão do Judiciário, a mãe ficava como cuidadora e o pai como provedor. Isso não reconhecia as mudanças na sociedade. Os dois podem exercer os dois papéis;, ressalta.
Quando a lei completou três anos, a entidade voltou a pressionar por alterações, agora próximas de se tornarem reais. ;O objetivo principal é a redução do litígio dos pais e, aí, o fim dos prejuízos causados a crianças e adolescentes na alienação parental (quando um dos pais coloca o filho contra o outro), que os afeta na escola, nas relações interpessoais de forma bastante grave;, explica. De acordo com ele, dos 20 milhões de filhos de pais separados no Brasil, 18 milhões sofrem alienação parental.
Também defensor das mudanças, o desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e integrante do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) Arnoldo Camanho faz ressalvas. ;Atuei como magistrado por 11 anos em varas de família. O entendimento era de que a guarda compartilhada fosse concedida em casos de relacionamento minimamente respeitável entre os pais, porque eles precisam manter contato em muitas questões cotidianas da rotina das crianças;, explica Camanho.
Conceito
Ele esclarece que, enquanto a lei atual fala de guarda compartilhada como divisão de responsabilidades, ainda que só um tenha a companhia do filho na maior parte da semana ou do mês, o projeto estabelece também separação de tempo das crianças ao lado de cada genitor. ;O novo texto traz uma mudança conceitual e aproxima a guarda compartilhada do que a gente entendia por guarda alternada, que é dada à mãe ou ao pai, dependendo de quem está com o filho naquele momento. Teremos que ver como será na prática. Torço para que funcione.;
Mesmo já existente na lei e quando decidida por toda a família, o pedido de guarda compartilhada traz dúvidas, exatamente pelo temor de atrapalhar a rotina da criança. Mas essa foi a opção de Maria Eduarda dos Santos Macedo, 10 anos. Quando os pais se separaram, a menina pediu que eles adotassem os cuidados divididos depois de assistir a uma reportagem na televisão. ;Vi que era melhor assim, porque não ficaria longe de nenhum dos dois;, conta.
Ela acredita que todas as crianças deveriam viver do mesmo jeito. Maria Eduarda passa uma semana com o pai e a outra com a mãe. ;As casas são diferentes, mas a educação e a rotina são as mesmas;, diz a garota. A vivência em duas lares começou em março de 2012, quando o analista de sistemas Marcelo dos Santos Alves, 36 anos, e a designer de interiores Francisca Antônia de Lima Macedo, 29, decidiram pelo divórcio e concordaram com o pedido da filha.
Apesar de terem levado toda a documentação necessária para o juiz, eles enfrentaram, em um primeiro momento, resistência do magistrado, conta Francisca. ;Ele (juiz) alegou que ela (Maria Eduarda) não teria uma residência fixa e não teria rotina, o que poderia atrapalhar na formação da criança. Ele achava melhor que ela ficasse na casa de um e, a cada 15 dias, fosse passar um tempo com o outro, por exemplo. Mas nós não queríamos assim, queríamos que ela morasse com os dois.;
Recentemente, o divórcio saiu como eles queriam. Marcelo e Francisca criaram as mesmas regras para as duas casas e consideram ter acertado na escolha da guarda da filha. Apesar disso, Marcelo avalia que cada caso é um caso. Ele admite que no começo foi difícil se adaptar às novas demandas de Maria Eduarda. ;Mas agora é bem tranquilo. Os dois participam da vida social dela. O fator determinante é a educação para se construir a mesma base, sobretudo na pré-adolescência;, comenta.
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