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São Paulo sofre a pior seca em 80 anos; crise alerta para o desmatamento

"A seca excepcional que a região sudeste do Brasil vive, especialmente São Paulo, já pode ser o resultado do desmatamento da Amazônia", disse o pesquisador Antonio Donato Nobre, do INPE

Piracaia - O pescador Ernane da Silva olha para o vale que se estende a seus pés. No local onde pescou por três décadas agora só resta erva daninha e terra seca, ressecada pelo sol. São Paulo sofre com a pior seca em 80 anos. A crise hídrica serve de alerta para muitas outras metrópoles: o desmatamento, as temperaturas mais altas e a expansão dos centros urbanos reproduzem este desastre em outros cantos do planeta.



"E tudo piora porque, diferentemente de secas anteriores, agora a população e a demanda por água são muito maiores", acrescentou.

Centro econômico e industrial do Brasil, São Paulo já viveu uma forte seca em 2001 e outra muito grave no começo dos anos 1960.

"A seca não é só um assunto climático: é importante se estamos ou não preparados para enfrentá-la", explicou à AFP a pesquisadora Maria Assunção Silva, do Departamento de Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo.

Em São Paulo se juntaram a falta de investimentos e infra-estrutura para armazenar água em anos de abundância, a sobrecarga do sistema e a má gestão. Segundo especialistas, não se informou adequadamente a população e o recurso não foi racionalizado.

A Sabesp, a maior empresa de águas de São Paulo, garante ter tomado medidas e que não é necessário racionamento, o que é reafirmado constantemente pelo governador Geraldo Alckmin, reeleito em outubro. O governo anunciou há pouco que construiria uma planta para reuso de água e novos depósitos para armazenamento.

A AFP ouviu vários relatos de cortes de abastecimento de água - sem aviso, nem planejamento - na capital, tanto na periferia, quanto no centro da cidade. Outras cidades do estado, onde vivem 40 milhões de pessoas, racionaram água fortemente, entre elas Guarulhos e Itu, onde a Sabesp não opera.

Menos árvores, menos chuva

Para alguns especialistas há, ainda, uma questão chave: o desmatamento. "A seca excepcional que a região sudeste do Brasil vive, especialmente São Paulo, já pode ser o resultado do desmatamento da Amazônia", disse à AFP o respeitado pesquisador Antonio Donato Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

"A Amazônia exporta umidade (...) e leva chuvas ao sudeste, ao centro-oeste e ao sul do Brasil, e também a outras regiões de Bolívia, Paraguai, Argentina, a milhares de quilômetros", explicou Nobre.

Cientistas afirmam, também, que eventos como as fortes chuvas na região Ásia-Pacífico, a maior temperatura do mar e a seca na Califórnia estão conectados e são partes de um mesmo desequilíbrio global.

Os cada vez mais populosos centros urbanos, com pouca vegetação e enormes extensões de asfalto e cimento, contribuem para este desequilíbrio. "A sucessão de extremos chuvosos e secos veio para ficar", alertou Maria Assunção Silva.

O pescador Ernane da Silva mantém o olhar fixo no local onde antes havia água e hoje, apenas terra. "Esta seca mudou toda a minha vida. Aqui, antes a água sobrava, estava cheio de gente pescando, nadando, aproveitando. Agora não há nada, não fica ninguém", lamentou.