Apesar de pagarem mensalmente para ter acesso ao serviço privado, parte das mulheres com planos recorre a unidades públicas para dar à luz. Os partos são maioria entre as 1,2 milhão de internações realizadas no Sistema Único de Saúde (SUS), entre 2008 e 2012, em benefício de quem tem convênio. O número corresponde a 1,7% do total de procedimentos do tipo feitos na rede gratuita ; 57 milhões. Entre os atendimentos prestados a clientes das operadoras, 69% foram de urgência e emergência e 30,3%, em setores com consultas programadas. No topo da lista, estão os partos naturais (96,2 mil) e os cirúrgicos (72,2 mil). Em seguida, vêm os tratamentos de pneumonias e gripes (55,1 mil).
Não é possível, a partir dos dados, saber os motivos que levaram o usuário de plano a uma unidade pública. A diretora de Desenvolvimento Setorial da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Martha Oliveira, pondera que nada pode ser descartado, sobretudo a respeito do parto, procedimento mais realizado. ;A maior parte das internações é referente a algo que acontece e o Samu leva, ou a pessoa acaba indo ao hospital mais próximo. Mas é possível que ela (a mulher) tenha escolhido o SUS. E aí temos de analisar o porquê. Foi falta de confiança? Foi porque estava fora do domicílio? Temos de saber e desenvolver mecanismos e trabalhar a qualidade da rede;, afirma.
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O principal motivo que levou a estudante Luana Carneiro de Oliveira, 28 anos, à rede pública, mesmo tendo plano de saúde, foi o receio de não conseguir ter um parto natural. Ela engravidou em 2012 e começou o pré-natal com uma médica do convênio. ;Mas ela me tratava mal e me colocava medo quando eu dizia que não queria cesárea. Eu cansei disso e decidi ir para o SUS;, diz. Com 15 semanas de gravidez, ela começou a fazer o acompanhamento em uma unidade pública ao lado da casa onde mora.
Luana chegou a pensar no parto em casa. Mas, sem recursos para a empreitada, resolveu ir para uma unidade de nascimento humanizado mantida pelo governo. A decisão teve o aval da médica que a acompanhava. Na casa de parto, só há enfermeiros obstetras e as pacientes, para serem admitidas, não podem ter riscos de complicação, conta a estudante. Ela diz que não sentiu medo da ausência de um médico na hora do parto e descreve como ótima a experiência. ;Durou cerca de uma hora e meio o parto no lugar. Foi muito tranquilo e fui super bem tratada;, diz.
Histórias como a de Luana são conhecidas da ginecologista e obstetra Jussara Beatriz Pasquali. Ela, que atende na rede privada e acompanha grávidas em um posto de saúde, na Asa Norte, afirma que vê com frequência pacientes com plano de saúde optando pelo SUS para dar à luz de forma natural. ;Não é que elas topam ir para um hospital comum da rede pública. Os casos que eu conheço são de mulheres que se programaram para ter a criança em uma casa de parto que, embora seja pública, oferece tudo que elas precisam, como ambiente e atendimento humanizado. Mas é preciso ter baixo risco;, explica a obstetra.
De acordo com Jussara, um parto natural leva muitas horas e, por isso, não é um procedimento rentável aos profissionais da rede privada, que ganham por número de atendimentos feitos. ;Não compensa, financeiramente, parar de fazer consultas para fazer um parto, sem saber quanto tempo vai demorar;, diz a médica, ao explicar por que a taxa de cesáreas, nos hospitais particulares, chega a 84%, longe do índice de 15% recomendando pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O problema é tão grave que a própria ANS reconheceu neste ano o excesso de cesáreas na rede suplementar e lançou medidas para reduzir a taxa e controlar a ação dos médicos.
Nem no SUS, em que 40% dos partos são cirúrgicos, a proporção está adequada ao sugerido pela OMS, devido a diversos fatores. ;Você tem a mulher que começou o parto domiciliar, complicou e foi parar na rede pública. Há pacientes que não fizeram pré-natal como deveriam. Então, a pressão aumenta, tem diabetes e outros critérios de segurança que conduzem à cesárea;, afirma Jussara. ;Às vezes, o que você precisa para fazer um parto normal é dar atenção, conversar com a paciente. E isso, num serviço de massa, é impossível.;
Usuária de plano de saúde, a servidora pública Camila Ramos Cabral, 33 anos, decidiu no início da gravidez que teria o filho em uma casa de parto em São Sebastião, mantida pelo governo, para ter a garantia de um procedimento natural. Mas aproveitou o convênio para fazer o pré-natal. ;A médica (do plano) sempre falava que, se desse tudo certo, eu teria um parto normal, quando o certo seria dizer: se der algo errado, você faz a cesárea. Então, eu fiz todo o pré-natal com ela e, na hora de ganhar o bebê, fui para a casa (de parto). Se algo desse errado, eu tinha a minha obstetra;, diz. Neste ano, ela recebeu uma ligação do plano de saúde procurando saber onde a filha nasceu e por quais motivos o procedimento não foi feito narede privada.
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