postado em 09/01/2015 11:25
No meio da natureza, a um quarteirão da praça mais nobre de Belo Horizonte, deitado em uma rede e de olho nas estrelas. Essa é a vida que muita gente pediu a Deus e poucos conseguem, mesmo clamando aos céus dia e noite. Mas o pedreiro Reginaldo de Souza Reis, de 40 anos, realizou tal sonho, embora de forma inusitada. Munido de coragem e audácia, ele passou os últimos seis anos no alto de uma árvore, mais propriamente, sobre galhos de uma mangueira na Rua Bernardo Guimarães, entre a Rua da Bahia e a Avenida João Pinheiro, no Bairro de Lourdes, Região Centro-Sul. Ontem foi a despedida de Reginaldo de sua ;cobertura; e ele promete voltar aos fins de semana. ;Aqui é bom demais, tenho de tudo;, disse Tarzan, apelido carinhoso recebido dos amigos e moradores da região.
Simpático e de papo bom, Reginaldo estudou até a ;terceira série do curso primário;, o correspondente hoje ao quarto ano do ensino fundamental, é separado ; ;minha mulher mora nos Estados Unidos; ; e tem um casal de filhos que vive em Ipatinga, no Leste de Minas. ;Estou mudando, pois arrumei trabalho de carteira assinada e aluguei uma casa no Bairro São Gabriel, Região Norte da capital;, explicou o pedreiro, que, enquanto não tinha serviço, tomava conta de carros na rua. Ao subir com habilidade no pé de manga, faz questão de avisar ao repórter: ;Não bebo nada de álcool, viu?;.
Antes de se mudar para a mangueira da Bernardo Guimarães, Reginaldo pensou em construir a sua ;casinha; em uma castanheira próxima à Rua da Bahia. Desistiu, por ela ser muito alta, e escolheu um galho mais baixo da sua atual mangueira, hoje carregada de frutos da variedade coquinho. A transferência para o andar superior se deu quando o primeiro galho foi podado, impedindo necessidades básicas: que a rede de dormir ficasse amarrada ao tronco, a caixa de isopor para guardar as roupas se sustentasse nas cordas e a lona preta pudesse ficar esticada a fim de proteger da chuva.
Impossível não admirar a destreza de Tarzan ao escalar o tronco e chegar à rede, que fica a quatro metros do chão e está na área de metro quadrado mais caro da capital ; cerca de R$ 12 mil para imóveis novos e R$ 7 mil para usados. Satisfeito, o pedreiro, nascido em Coronel Fabriciano, também no Leste do estado, está há 17 anos em BH e se orgulha ao contar que, na cobertura, não tem mosquito, não faz calor, há muita sombra, transborda de segurança e, à noite, só se ouve mesmo o som do silêncio. ;Não sonho, não rolo na rede e não caio no passeio;, afirma, com convicção. Num minuto, sorri com malícia ao declarar que teve encontro íntimo entre as folhas. ;E deu tudo certo, pois ninguém estava vendo.;
Criança
O amor pela vida ao ar livre, longe de multidões e perto da natureza, vem da infância. ;Eu era menino e gostava de subir em árvores. Se pudesse hoje, moraria num lugar cheio de bicho e sem gente. Não precisaria nem de salário, trabalharia pela comida. O ser humano é muito difícil;, raciocina Reginaldo, enquanto estica o braço e colhe a manga, mostrando que, mesmo na ebulição urbana, mora no centro da natureza.
Ao passar pela rua e ver Tarzan no seu hábitat, o técnico em informática Iago Ferreira, de 20, morador do Bairro Candelária, em Venda Nova, fez uma foto com seu telefone celular e comentou: ;Ter uma casa na árvore é o sonho de toda criança;. Perto dali, a estudante Larissa Xavier, de 21, considerou ;interessante e ousado; o modo de viver desse ;Tarzan da cidade;. Já o amigo de longa data, o lavador de carros Renato Lúcio, de 43, confessou que nem terá tempo para saudade. ;Já dividimos uma casa e esta aqui será de veraneio;, brincou apontando para o galho.
Sempre sorridente, Reginaldo enumera outras vantagens de viver na árvore. Como está a um quarteirão da Praça da Liberdade, pode ver a iluminação de Natal antes de todo mundo e também se deliciar primeiro com as mangas. ;O movimento nesse pedaço vai das 7h às 23h. Já vi muitas cenas aqui do alto, casais namorando, brigas, assaltos, corre-corre. Mas ninguém nunca me incomodou. Para tomar banho e demais necessidades, vou ao posto de gasolina, onde também assisto aos jogos de futebol. Como não gosto de novela, o meu companheiro à noite é um rádio de pilha.; E o endereço?, pergunta o repórter. ;Não tenho nem dou, aliás, nem tenho celular;, responde Tarzan, que recebe habitualmente a visita de passarinhos, micos e até morcegos, ;que não me incomodam;.