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Fantasias podem reproduzir preconceitos contra negros e homossexuais

Na avaliação da crítica Daniela, a pessoa pode até não saber que está sendo racista e se achando engraçada. "Mas quem diz se é racismo é o negro ou a negra. E, para mim, não existe exceção. É, sim, racismo", disse

postado em 16/02/2015 20:16
A irreverência do carnaval em muitos casos pode trazer consigo preconceitos há muito enraizados na cultura brasileira. Fantasias como nêga maluca ou mesmo homens travestidos de mulheres acabam por reforçar o racismo e a homofobia, explica a integrante do coletivo de mulheres negras Pretas Candangas, Daniela Luciana. Segundo ela, isso é bastante comum nos blocos de rua. Ontem, no entanto, acabou ocorrendo também durante o desfile da Mangueira, no Rio de Janeiro, quando, em alguns momentos, integrantes da comissão de frente desfilaram com vestimentas que lembram personagens conhecidas como nêga maluca.

;Sei que os carnavalescos têm autonomia para fazer isso e que, muitas vezes, a comunidade não tem poder de decisão para evitar coisas desse tipo. Mas, nesse caso, coreógrafo e diretoria acabaram por cometer esse erro [reforçar preconceitos por meio de estereótipos], o que ofuscou o brilho da escola;, disse a integrante do Pretas Candangas à Agência Brasil. ;Mesmo que digam que não se trata da fantasia de nêga maluca, eles usaram de elementos que estereotipam o corpo da mulher negra, com seios e nádegas ampliadas. Não é homenagem. Não gostei;, acrescentou.

A crítica de Daniela se estende também às pessoas que usam a fantasia nos blocos de rua. ;Em Belo Horizonte, por exemplo, há um bloco onde todos integrantes saem de nêga maluca. Nós, negros, somos um quarto da população e repudiamos ser representados como malucos. Cabelo e pele de negro não é fantasia, até porque temos de usá-los o ano inteiro. Não é objeto de riso, mas a identidade de alguém. E muitas pessoas morrem pelo simples fato de serem negras;, disse a integrante do coletivo Pretas Candangas.

Na avaliação dela, a pessoa pode até não saber que está sendo racista e se achando engraçada. ;Mas quem diz se é racismo é o negro ou a negra. E, para mim, não existe exceção. É, sim, racismo;, completou, citando também, como exemplo, marchinhas como O Teu Cabelo não Nega, de Lamartine Babo.

Outro tipo de fantasia que incomoda a integrante do Pretas Candangas está relacionada à homofobia. ;Sou totalmente contra que homofóbicos se vistam de mulheres. Quando eles se vestem de mulher, estão ferindo quem é transexual. Às vezes, é uma pessoa que fala mal e discrimina o travesti o ano inteiro. Mas no carnaval se veste como um, por considerar tal fantasia como algo ridículo;, argumentou.

A opinião de Daniela é corroborada pelo diretor da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) na Região Centro-Oeste, Evaldo Amorim. ;Diante da cultura machista da sociedade brasileira, os preconceitos se apresentam na tendência de buscar risos e chacotas a partir das formas e vestes femininas. Assim, ridicularizam homossexuais, travestis, transexuais e a própria mulher, por colocar neles uma imagem ridícula, inferior, marginalizada e estereotipada. No caso dos homossexuais, apresentando-os como peças de humor e do ridículo, a exemplo do que é visto em programas de humor na televisão;, disse ele à Agência Brasil.

Para Amorim, é preciso que o carnaval tenha um limite: ;É o respeito. A cultura anterior não pode ser mantida no sentido de ridicularizar as pessoas;, disse o diretor da ABGLT. ;Acredito que a maioria dos homofóbicos não participariam dessa brincadeira. Mas há, sim, casos que podem ser identificados pelo comportamento. Eles usam dessas fantasias para ridicularizar, inferiorizar o outro.;

O que falta, na avaliação de Amorim e de Daniela, são campanhas educativas que mostrem às pessoas que, em atitudes desse tipo, elas podem estar reproduzindo diversas formas de preconceito. No entanto, o que se veicula na mídia, muitas vezes, é o oposto. ;Vimos campanhas de uma cerveja dizendo às pessoas que, durante o carnaval, guardem o [termo] ;não; em casa. Isso é machismo, porque estimula homens a forçarem beijo nas mulheres. Acontece muito em Salvador. Lá os homens têm o hábito não só de roubar beijos, mas de passar a mão nas mulheres;, argumenta Daniela.



O fisioterapeuta Terge Vasconcelos se fantasiou de nêga maluca no último sábado, quando foi entrevistado pela Agência Brasil. Ele discorda da opinião da representante do Pretas Candangas. ;Trata-se apenas de uma fantasia para brincar o carnaval. Nunca fui taxado de racista por ninguém em toda a minha vida. Pulo carnaval cercado de pessoas de todas as raças, que fazem parte do meu círculo de amizade;, disse. Nesta segunda-feira de carnaval, Terge se fantasiou de ;Barbicha;, uma sereia com barba no rosto, dentro de uma caixa de boneca no estilo da Barbie. ;Cada dia brinco com uma situação diferente. É para isso que existe o carnaval;, acrescentou.

Na opinião dela, a legislação brasileira, que proíbe, por exemplo, o uso de símbolos nazistas, deveria fazer o mesmo em situações como fantasias que incitem racismo ou homofobia. ;Esses preconceitos estão no cotidiano do brasileiro, não apenas no carnaval. Portanto, no carnaval não seria diferente. Mesmo se usada como forma de ironia, com o objetivo de chamar a atenção para o racismo, é melhor não usar essas fantasias porque corre o risco de surtir o efeito oposto, tornando-se ofensivo a alguém. Se tem o risco de ser ofensivo, é melhor não usar;, destaca a militante.

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