postado em 18/03/2015 18:10
Entidades de defesa da criança e do adolescente denunciam graves violações de direitos de jovens que cumprem medidas socioeducativas, de privação de liberdade, nos centros educacionais cearenses. Superlotação, falta d;água e torturas foram algumas das situações relatadas pelo Fórum Permanente das ONGs de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA), em audiência pública ontem (17/3), na Assembleia Legislativa do Ceará.De acordo com o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), um dos integrantes do fórum, do início de 2014 até agora foram mais de 30 rebeliões. A última delas, na última segunda-feira (16/3), quando os internos do Centro Educacional São Miguel atearam fogo em colchões e destruíram parte do prédio. Segundo o Fórum DCA, há no local aproximadamente 230 internos, quando a capacidade da unidade é para 60 internos.
O filho da dona de casa Silvia ; que não quis se identificar ; está cumprindo medida socioeducativa no São Miguel há dez meses. Ela relata que o filho já foi espancado e passou por tortura psicológica, e questiona o fato de a direção da unidade exigir bom comportamento dos internos ; requisito para que sejam liberados ; diante dessa realidade.
Ela pergunta ;como cobrar bom comportamento de 14 adolescentes em uma cela, se estão sendo espancados e não têm nenhum atendimento médico e principalmente psicológico?" O que eles vão fazer" ; ela mesmo responde ; "é se rebelar, porque eles não têm nenhuma estrutura para ter bom comportamento. Acho uma hipocrisia [chamar de] danos ao patrimônio público [os danos materiais provocados com as rebeliões] onde o mais danificado é o adolescente;, argumentou.
Segundo o Cedeca, em 2014 e nos primeiros meses de 2015 fugiram em torno de 140 adolescentes e foram registradas dezenas de denúncias de tortura e tratamento cruel aplicados nos internos.
A crise nas unidades de internação de adolescentes gerou uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), feita pelo Fórum DCA, pelo Cedeca e pela Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced). A petição, protocolada no último dia 3, lista uma série de compromissos internacionais assinados pelo Estado brasileiro, desrespeitados no caso, a exemplo da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis. De acordo com a assessoria do Cedeca, a CIDH ainda não deu resposta sobre o documento.
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Rafael Barreto, assessor jurídico do Cedeca, narra que a superlotação fez com que espaços de salas de aula e de cursos profissionalizantes fossem transformados em dormitórios para os internos, prejudicando ; e até mesmo inviabilizando ; qualquer atividade de cunho educativo. ;A superlotação é apenas um elemento. O mais devastador é a tortura cometida todos os dias, e não estou exagerando. Se o adolescente bater na grade mais de três vezes pedindo água para beber, isso faz com que ele seja retirado, leve socos e pontapés, e seja levado para a ;tranca;, que é um isolamento compulsório, totalmente ilegal.;
A juíza Maria das Graças Quental, que representa o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Ceará, relata casos de assassinatos nos centros educacionais, que não são investigados. ;Recebemos semanalmente três, quatro óbitos. E todos sabem que os crimes não são investigados. A resposta [das direções] geralmente é: ;foi briga entre eles; foi acerto de contas;. Isso é genocídio juvenil;, afirmou Segundo ela, todas as violações de direitos, cometidas contra internos nos centros educacionais, são de amplo conhecimento das autoridades; inclusive judiciais.
Enquanto entidades de defesa da criança e do adolescente debatiam formas de minimizar o problema, na Assembleia Legislativa, uma comissão formada por entidades da sociedade civil, deputados estaduais e membros do Ministério Público e da Defensoria Pública se reunia com a vice-governadora Izolda Cela, com vistas a definir ações de curto prazo que melhorem as condições dos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas no Ceará.
O governo se comprometeu a acelerar a construção e reforma de centros educacionais com obras em andamento. Conforme a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), responsável pela gestão dos centros educacionais, há três unidades em construção: em Fortaleza, Sobral (a 232km da capital) e em Juazeiro do Norte (a 494km de Fortaleza).
Por decisão judicial, há três centros impedidos de receber novos internos, e suas capacidades foram limitadas a 60 adolescentes. Em nota, a STDS esclarece que as três unidades estão em reforma, e acrescenta que a superlotação do Centro Educacional São Miguel, onde ocorreu a última rebelião, deve-se à transferência de jovens dessas três unidades.