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Comissão realiza 1ª audiência para apurar crimes do Estado na democracia

%u201CNo Brasil, é corriqueiro não se contar a verdadeira história", disse Débora Maria da Silva, coordenadora do movimento Mães de Maio

postado em 21/03/2015 18:14
A Comissão da Verdade da Democracia de São Paulo realizou na tarde de hoje (21) a primeira audiência pública para discutir os crimes de maio de 2006 no estado, quando 493 civis e 59 agentes públicos foram mortos violentamente durante confrontos entre a polícia e membros da organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Esta é a primeira comissão do país a investigar crimes cometidos pelo Estado na democracia.

;A audiência é um passo importante, mas não é um passo garantido. Ela só terá eficiência se nos debruçarmos severamente perante o Estado opressor e exterminador do povo pobre, preto e periférico;, disse Débora Maria da Silva, coordenadora do movimento Mães de Maio, um dos grupos que pediu a criação da comissão e que dá nome a ela.

[SAIBAMAIS]A intenção, segundo ela, é apurar a verdade sobre os crimes de maio. ;No Brasil, é corriqueiro não se contar a verdadeira história, tendo em vista que a ditadura nunca foi passada a limpo. A democracia continua exterminando pobres e negros periféricos e fazendo o desaparecimento forçado. Pretendemos esclarecer os crimes de maio que não foram esclarecidos e os crimes de maio continuados. As vidas de nossos filhos foram tiradas e não temos resposta para isso. O país tem o dever de nos dar uma resposta;, ressaltou Débora, que perdeu um filho durante os crimes de maio.

Para José Filho, pesquisador da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, a consequência dos crimes de maio de 2006 foram outras chacinas, entre elas a de junho de 2012, que provocou a morte de 106 policias e outros 306 civis no estado. ;A impunidade e a falta de reconhecimento do Poder Público é o que tem gerado a trajetória dos crimes de maio até hoje;, informou.

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A audiência foi acompanhada pela presidenta da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Eugenia Gonzaga. O número de pessoas desaparecidas nessa época não é conhecido.

;É relevante a criação da comissão, porque demonstra que há continuidade nas graves lesões praticadas pelas forças de segurança. Os equipamentos de segurança pública continuam adotando o mesmo método de fazer desaparecer pessoas que não lhe interessam;, disse Eugenia.

Segundo ela, a prática continua ocorrendo no país por causa da impunidade. ;O Brasil já deveria ter votado uma lei sobre desaparecimento forçado. Até hoje trabalhamos nos casos de crimes da ditadura, com convenções internacionais cuja aceitação é muito difícil por parte do Judiciário brasileiro. Há uma resistência muito grande por parte do Congresso e demais setores em se tratar da questão de desaparecimento.;

Para Eugênia, a criação da comissão deve impulsionar a criação de outras comissões estaduais e setoriais no país, a exemplo do que ocorreu com a Comissão Nacional da Verdade. ;Essas práticas disseminadas de desaparecimento não acontecem apenas em um lugar e não é possível que uma comissão só dê conta de atingir as peculiaridades de cada local;, acrescentou.

A comissão foi instalada no dia 20 de fevereiro, na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), com o objetivo de apurar violações cometidas pelo Estado brasileiro após a ditadura militar. A comissão foi criada no interior da Comissão de Direitos Humanos da Alesp e terá apoios técnicos da Comissão de Anistia, que contratou dois consultores para realizar as pesquisas, e da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

A intenção é ouvir parentes de mortos e de vítimas de desaparecimentos forçados ocorridos em maio de 2006, além de policiais acusados pelos crimes. Um dos primeiros a prestar depoimento hoje foi João Inocencio Correia de Freitas, que teve o filho, Mateus Andrade de Freitas, assassinado no dia 17 de maio em Santos (SP).

Mateus, que não tinha passagem pela polícia e nenhum envolvimento com crime, foi à escola nesse dia com um amigo, mas nenhum deles sabia que a escola estava sob toque de recolher. Ambos foram mortos por pessoas encapuzadas quando voltavam da escola. O laudo revela que Mateus morreu por dívida envolvendo drogas.

;Como alguém cobraria uma dívida de droga se meu filho deveria estar na escola naquela hora? Se eles [credores] matam a pessoa que deve, cobram a dívida depois dos pais. Mas não ocorreu nada disso. A polícia não investigou", afirmou Freitas durante o depoimento.

;Meu filho tinha prova e resolveu ir para a escola. Ele morreu entre 20h30 e 21h, hora em que deveria estar na aula. [Ele e o amigo] foram mortos na rua [de sua casa]. Passou um grupo de extermínio, que matou os dois. Escutamos os tiros. Corri e vi o amigo do meu filho morto."

Conforme a comissão, as investigações sobre execuções e desaparecimentos neste período foram quase todas arquivadas sem os devidos esclarecimentos e responsabilizações. Até hoje, segundo Débora, apenas um policial foi condenado. Em julho do ano passado, o policial militar Alexandre André Pereira da Silva foi condenado pela morte de três jovens em 2006.

Silva foi condenado, por homicídio qualificado, a 36 anos de prisão, em regime fechado e perda de cargo público pelas mortes de Murilo de Moraes Ferreira, Felipe Vasti Santos de Oliveira e Marcelo Heyd Meres. Os três jovens estavam conversando em uma esquina do Jardim Brasil, na zona norte da capital paulista, quando homens em motocicletas passaram atirando. O réu poderá recorrer da decisão em liberdade.

De acordo com o defensor público Pedro Gilberti, que examinou 39 laudos do Instituto Médico Legal (IML) com a inscrição ;resistência seguida de morte;, ;ficou evidente que, pela característica dos tiros, houve execução;.

;Em todos esses casos, as situações eram iguais: disparos de cima para baixo, concentrados em regiões letais do corpo tal como cabeça e abdômen. Os locais dos homicídios foram todos desfeitos. Percebemos que não haviam testemunhas. Embora eu provasse a materialidade do homicídio, não conseguia comprovar a autoria;, acrescemntou.

Para o ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, Julio Cesar Fernandes Neto, mortes em confrontos com a polícia continuam existindo até hoje em São Paulo. Somente no início deste ano, entre janeiro e ontem, ocorreram 154 mortes em confrontos. ;É uma situação de estarrecer qualquer cidadão de bom senso.;

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