postado em 25/03/2015 10:26
Depois de tentar diariamente por duas últimas semanas, Isabella Santiago, 17 anos, conseguiu se inscrever pelo site no Programa de Financiamento Estudantil (Fies). Na segunda etapa, em que o candidato tem de levar a documentação à instituição onde deseja estudar, veio a surpresa. O valor liberado pelo sistema era inferior ao das mensalidades, de forma que ela terá de pagar R$ 2.120 neste semestre para compensar a diferença. Ela refez a inscrição e não sabe se conseguirá o benefício. A estudante de fisioterapia pagou a matrícula e a mensalidade de fevereiro e, se não conseguir o Fies, não sabe se poderá continuar o curso que custa R$ 2.738,70 mensais. ;Estou chateada e com medo porque é meu sonho e achei que ia dar certo;, lamenta.O curso de Isabela teve um reajuste de 6,97% de 2014 para 2015. O valor está acima dos 6,4% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), estipulado como limite pelo Ministério da Educação para as instituições receberem os repasses. A medida é uma das diversas adotadas desde dezembro que restringem o maior programa de financiamento estudantil do país. Desde o último ano do governo Lula, quando passou a funcionar nos moldes atuais, a expansão foi expressiva ; o número de beneficiados cresceu de 76,2 mil em 2010 para 1,9 milhão atualmente.
O orçamento acompanhou o ritmo. No primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, os gastos com o Fies passaram de $ 1,84 bilhão em 2011 para R$ 13,75 bilhões em 2014. Dois meses após o segundo turno das últimas eleições, o Ministério da Educação (MEC) divulgou duas portarias limitando a iniciativa. A pasta reconheceu o peso das restrições orçamentárias nas medidas. Neste ano, a redução do fluxo de pagamentos às instituições resultará em uma economia de R$ 4,2 bilhões para o ministério.
Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Correio, a falta de controle do governo nos últimos anos levou a um cenário insustentável para a continuação do programa nos moldes estabelecidos em 2010. As recentes alterações são necessárias para aprimorar o modelo financeiramente e consertar as desvirtuações cometidas por instituições e alunos. O maior problema, no entanto, é a forma como a reestruturação está sendo feita. Para especialistas, a falta de transparência e de diálogo é mais um tropeço do Executivo.
Na avaliação do próprio governo, realmente houve erros na condução do Fies e um deles é que, até então, o programa era centralizado nas instituições de ensino superior. A concessão dos financiamentos era feita sob demanda dos estudantes em cada instituição e não havia limites claros de vagas. A partir do segundo semestre deste ano, será adotado um sistema similar ao do Sistema de Seleção Unificado (Sisu), em que o governo terá maior controle sobre o processo. O ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, afirmou ontem que o preço das mensalidades era ajustado com ;total liberdade;, o que possibilitou algumas práticas abusivas.
[SAIBAMAIS]"Bomba-relógio"
Para Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o governo falhou no controle dos preços das mensalidades e na avaliação da qualidade dos cursos. ;Criou-se uma bomba-relógio em termos de empréstimo;, afirma. Para ele, a atual avaliação pelas quais os cursos passam ; onde o CPC é o principal indicador ; é insuficiente para garantir um ensino superior de qualidade. O especialista destaca ainda que a falta de diálogo nas mudanças é recorrente no MEC, ;que tem sido marcado por gestões muito frágeis numa visão de negociação;, principalmente durante a de Mercadante, período de maior expansão do Fies.
Priscila Simões, diretora executiva da Expertise Educação, ressalta que houve um movimento muito forte por parte do governo para incentivar a adesão das instituições ao programa. Desde 2010, foram flexibilizadas as regras em termos de fiador, redução da taxa de juros e aumento do prazo para o aluno pagar o empréstimo. Ela acredita que poderiam ter sido adotadas medidas alternativas às atuais mudanças para evitar um descontrole, como um escalonamento da taxa de juros de acordo com a renda familiar. Para a especialista, o setor privado não pode atuar sozinho nos empréstimos. ;É muito difícil promover um processo de massificação do ensino superior sem ter financiamento governamental;, afirma.
De acordo com Gustavo Fagundes, do Instituto Latino Americano de Planejamento Educacional (Ilape), ampliar progressivamente o programa sem medir o reflexo financeiro a cada passo foi um dos maiores erros, e, agora, quem está sendo prejudicado com as mudanças repentinas é o aluno. ;Vendeu-se para a população uma proposta de garantia de acesso pleno à graduação e o Estado não tinha condição de bancar essa promessa;, afirma.
Avaliação
O Conceito Preliminar de Curso (CPC) é o principal indicador de qualidade dos cursos de graduação no Brasil. Ele varia de 1 a 5. Notas iguais ou superiores a 3 indicam qualidade satisfatória. Os de nível 1 e 2 recebem visitas de avaliadores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). O indicador inclui desempenho de estudantes, infraestrutura das instituições, recursos didático-pedagógicos e formação do corpo docente. O CPC é calculado desde 2007 no ano seguinte ao da realização do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). Os alunos são avaliados pelo Enade a cada três anos.