Brasil

Machismo torna necessária lei para garantir amamentação, dizem mulheres

Após denúncias, lei municipal em São Paulo é aprovada e estabelece multa aos estabelecimentos que proibirem ou causarem constrangimento à amamentação

postado em 16/04/2015 08:50
Em caso de descumprimento à nova lei, estabelecimentos comerciais, culturais, recreativos ou de prestação de serviço estão sujeitos à multa de R$ 500

;Uma monitora se aproximou e me informou que eu não podia amamentar lá, tentei discutir, mas fiquei constrangida e não sabia o que dizer para me defender, mesmo conhecendo casos similares. Senti-me suja e envergonhada por ter atraído a atenção das outras pessoas que estavam lá;. O relato é da modelo Priscila Bueno, mãe de Julieta, de 1 ano e 9 meses, e ocorreu quando ela visitava, em fevereiro do ano passado, uma exposição no Museu da Imagem e do Som (MIS), na capital paulista. Foram denúncias como essas que resultaram na aprovação de uma lei municipal, sancionada terça-feira (14/4), que estabelece multa aos estabelecimentos que proibirem ou causarem constrangimento à amamentação.



Em caso de descumprimento, estabelecimentos comerciais, culturais, recreativos ou de prestação de serviço estão sujeitos à multa de R$ 500. Isso ocorre independentemente de existirem áreas destinadas à amamentação. Em caso de reincidência, a multa é duplicada. O projeto de lei foi formulado em dezembro de 2013, um mês depois de ter sido registrado outro caso de constrangimento, desta vez no Sesc Belenzinho. A turismóloga Geovana Cleres foi abordada por funcionários da unidade enquanto amamentava a filha. O fato gerou um ;mamaço;, evento promovido no mesmo local em que o fato ocorreu, onde as mães amamentam os filhos e debatem a importância do aleitamento.

Para a integrante da organização não governamental Sempreviva Organização Feminista, Maria Fernanda Marcelino, os valores machistas da sociedade tornam necessárias leis para situações que deveriam ser naturais. ;Considerando que a amamentação é ato fundamental para a vida, é um absurdo que um espaço atue no sentido de proibir, constranger as mulheres que estão amamentando;. Ela avalia que isso tem relação com tentativas de confinar as mulheres no espaço privado. ;Quando uma mulher sai de casa e tem filho pequeno, ela tem direito, portanto, ao espaço público e a amamentar seu filho onde quer que esteja;, defendeu.

Priscila conta que, após o constrangimento no MIS, passou a ter medo de ser abordada novamente. ;[Isso] faz com que a mulher se sinta inadequada por fazer algo natural e ela pode deixar de amamentar ou não respeitar a livre demanda (dar o peito sempre que o bebê solicitar, comprovadamente a forma mais saudável para o bebê). Em alguns casos, passar por uma situação humilhante dessas pode diminuir a produção de leite;, declarou ao comentar os prejuízos que esse tipo de prática pode provocar às mães e aos bebês. Ela critica esses estabelecimentos que veem a amamentação como um ato obsceno.

Maria Fernanda avalia que existe uma hipocrisia em relação à nudez na sociedade, em especial das mulheres. ;Nas propagandas, na televisão, em qualquer horário, é possível ver mulheres nuas, então por que os seios de uma mulher amamentando incomodam? Por um lado, se explora o corpo feminino para a venda de produtos, e para algo que é natural, não se pode expor. É uma sociedade baseada na hipocrisia;, argumentou. Ela acrescenta que a lei, no caso de São Paulo, pode ajudar as mulheres a viverem a maternidade em equilíbrio com o mundo do trabalho e com a vida na sociedade.

É o que espera a babá Maria José dos Santos, 39 anos, grávida de um menino. ;Soube ontem que agora há essa lei. Eu nem sabia que tinha locais que faziam isso. Achei boa a lei. Não há nada demais em amamentar, é uma coisa que tinha que ser incentivada;, declarou. Mãe de primeira viagem, ela ainda tem dúvidas sobre a amamentação, mas não vacila em dizer que alimentará o filho sempre que necessário. ;Na hora da fome, nem vou pensar em vergonha, em qualquer lugar vou amamentar;, disse.

Por meio da assessoria de imprensa, o MIS diz que a atitude do funcionário que abordou Priscila não condiz com o posicionamento da instituição. ;Os colaboradores envolvidos passaram por novo treinamento para que o fato não ocorra novamente. Também reforçamos com os demais funcionários que mães que visitam o museu têm total liberdade de amamentar seus filhos no espaço expositivo;, acrescenta a nota.

O Sesc Belenzinho, por sua vez, negou que tenha havido o episódio de impedimento ao aleitamento materno na unidade. "Esclarecemos que, na ocasião, apuramos o ocorrido e verificamos que se tratou de uma falha de comunicação por parte de uma funcionária ainda em fase de treinamento. Informação que foi corrigida, na sequência, por uma segunda funcionária;, diz o texto enviado pela assessoria de imprensa. A instituição ressaltou que o ;Mamaço;, promovido na unidade em 2013 foi acolhido e ;transcorreu com tranquilidade no espaço de convivência;.

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