postado em 25/05/2015 16:01
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Juntas e em atividade, as máquinas de costura, corte e bordado compõem uma sinfonia no eco do galpão de 300 metros de extensão que, na percepção de Marina*, vai deixar saudade. Mas ela já sabe o que fazer para resolver esse problema. A um mês do fim da pena ; reduzida em um ano e três meses graças ao tempo de trabalho dentro da prisão ;, a detenta de 32 anos, ex-manicure e traficante, bate com firmeza a mão de unhas bem feitas sobre o tecido na máquina de costura: "Eu aprendi a costurar aqui. Minha vontade é montar minha confecção assim que eu sair. Consegui juntar um dinheirinho trabalhando". Marina, encarcerada no Complexo Penitenciário de Aparecida de Goiânia, a 250 quilômetros de Brasília, integra uma estatística muito pequena na superlotada realidade do sistema prisional brasileiro: apenas três em cada 100 presos se capacitam profissionalmente e deixam os muros das penitenciárias preparados para encarar outra vida que não a do crime. Como deixa escapar um agente, "na cadeia, nada é fácil. Se fosse fácil, chamava escola".
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Para escapar à tentação da ostensiva economia da droga depois do alvará, a profissionalização no presídio é a forma de apresentar outras possibilidades de geração de renda, reforça Débora Diniz, antropóloga e professora na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). "Infelizmente, o número de presos que estudam ou trabalham ainda é pouco significativo, o que pode ser explicado pela superlotação do sistema prisional brasileiro, ocasionando em uma demanda muito maior do que as vagas de estudo ou trabalho oferecidas", diz a especialista. Os dados mais recentes do Ministério da Justiça somam 574 mil presos em todo o sistema ; que oferece apenas 317 mil vagas. A diferença entre esses dois números são pessoas que se amontoam em celas insalubres Brasil afora. "A torto e a direito recebo ligação de gestor dizendo que a sala de aula teve de virar cela", lamenta Mara Fregapani Barreto, coordenadora-geral de reintegração social e ensino da Diretoria de Políticas Penitenciárias, vinculada ao ministério.
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Enquanto isso, quase metade da população carcerária no Brasil não tem sequer ensino fundamental completo (43,97% ou 236.519 presos), o que complica o quadro da educação para capacitação. Mas quando o professor do curso de construção civil para pedreiros do Senai Gilson Francisco Lopes, 46 anos, pega a apostila de matemática básica e fala sobre geometria, área do retângulo, do quadrado e do círculo, a turma atenta de 12 presos do semi-aberto balança a cabeça demonstrando que entendeu. "Lá fora não se dá valor às oportunidades de aprendizagem como aqui dentro. Eles se entregam e querem tanto mudar de vida que isso ajuda a superar as questões do conteúdo que ainda não aprenderam", compara. Os futuros pedreiros e pintores, na prisão em Aparecida de Goiânia, têm a promessa de contratação de uma construtora, assim que colocarem as mãos nos certificados de qualificação.
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Com um boneco de pelúcia entre as mãos ; produto do trabalho de alunos-detentos ;, a professora Graça Bandeira, 48 anos, em uma oficina para presos do regime fechado, conta: "Muita gente me disse que não teria coragem de trabalhar com eles, mas quando você percebe que o seu trabalho de fato consegue mudar a vida das pessoas, faz todo sentido". O grupo de sete alunos passa oito horas diárias costurando os moldes e recheando porcos, coelhos e ursos de espuma. Na parede de chapisco branca do galpão, alguém pichou, a giz azul, a referência bíblica: Salmo 70 ("Apressa-te, Senhor, a ajudar-me"). A ajuda, ou a profissionalização, no caso, foi demanda da JHJ, uma empresa privada que enxergou no sistema prisional oportunidade de construir trabalho social e de tirar proveito dos ganhos econômicos dessa prática.
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"É uma China isso aqui. Quem não quer redução nos gastos com mão-de-obra?", provoca Aristóteles Sakai de Freitas, 56 anos, superintendente de reintegração social e cidadania do sistema prisional em Goiás. Como o trabalho nas prisões é regido pela Lei de Execuções Penais (LEP) em vez da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o empregador está livre de encargos e vínculos que costumam onerar a folha de pagamento. "A economia vai de 30% a 50%, sem INSS, FGTS, multa rescisória, passivo trabalhista e outros", calcula Aline Alves de Aguiar, coordenadora de produção da Hering, pedindo desculpas por demorar a fazer a conta: "É tanto tempo aqui dentro que eu nem lembro mais". Desde fevereiro de 2009 a empresa mantém linha de triagem e empacotamento com presos provisórios em Goiás e em vários outros estados.
Dos galpões em Aparecida saem 30 mil peças diárias. Daniel*, 23 anos, um dos empacotadores presidiários, usa uma camiseta que faz piada com outra marca do setor: Tommy Vergonha, em referência à grife americana Tommy Hilfiger. A brincadeira soa como um recado para ele mesmo: o jovem vai e volta da cadeia desde os 18 anos e nunca tinha aprendido um ofício de verdade. Enquanto dobra calças de moleton, comenta que a disciplina é aprendizado diário: "Aqui a gente trabalha e tem rotina igual quem está lá fora. É importante porque quando você fica preso e sem aprender a fazer nada, começa a pensar e aprender o que não deve".
As empresas do Distrito Industrial de Aparecida foram instaladas em área doada pelo estado com o compromisso de que as indústrias empregariam os detidos. "Claro que isso não ocorreu na escala desejada porque seria penalizar o empresário, obrigando-o a empregar um preso sem qualificação", detalha Sakai. A equipe então pensou em um sistema que cumpra os objetivos da pena e gere oportunidades de educação profissional para reestruturar o convívio social, explica o superintendente: "Não há dúvida de que o trabalho é o que qualifica. É a única maneira de reverter o ciclo vicioso do preconceito e transformar a questão em um círculo virtuoso".
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Apenas 10% de toda a população carcerária no país se envolvem em algum tipo de atividade educacional, conforme os números mais recentes do Ministério da Justiça. Desses, 7% estão referenciados na rede pública de ensino: são, na maioria, alunos da Educação de Jovens e Adultos que estão se alfabetizando ou completando a educação formal. Os 3% restantes (ou 16.955) são os que, em 2013, tiveram oportunidade de fazer cursos oferecidos por outros parceiros como o Sistema-S e o Pronatec prisional.
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;Abrimos a primeira seleção do Pronatec para ofertar 90 mil vagas em janeiro de 2013;, conta Mara Fregapani Barreto, coordenadora-geral de reintegração social e ensino da Diretoria de Políticas Penitenciárias, vinculada ao Ministério da Justiça. Ela explica que desse número restaram 23 mil matrículas, em decorrência das dificuldades principalmente em conseguir ofertantes, como são chamados os parceiros que oferecem os cursos nas prisões. ;Mas temos que lembrar que antes disso tínhamos zero, então é fundamental reconhecer o avanço;, defende. Para 2015, a expectativa é fechar a demanda com 22.438 matrículas.
A política pública caminha também no sentido de criar alertas junto a agências de emprego para a reinserção dos egressos já capacitados no sistema. Outro foco é a criação de espaços específicos para as aulas e vivências práticas, desenvolvidos em parceria com técnicos do Ministério da Educação. ;Seria uma referência para criar um modelo de escola prisional. A ideia é chegar a 200 mil pessoas. Para aparelhar as unidades, seriam necessários entre R$ 800 e R$ 1 milhão;, explica Fregapani. O projeto foi desenhado para atender as necessidades de segurança do sistema prisional, normalmente o maior entrave logístico para a agilidade das aulas. A ideia é que o projeto chegue a 200 mil presos.
Fortalecer as parcerias com empresas privadas é o que norteia outro projeto, em andamento em Aparecida de Goiânia: a construção do primeiro polo empresarial dentro da área do sistema vai diminuir o tempo de deslocamento dos presos e facilitar o trabalho para mais de 20 empresas, com 4 mil vagas de emprego para os presos, de acordo com Aristóteles Sakai de Freitas, 56 anos, superintendente de reintegração social e cidadania do sistema prisional em Goiás. A infraestrutura de R$ 1,6 milhão corre por conta do estado e as construções dos galpões, de R$ 342 mil vem de recursos dos parceiros privados, via Fundo do Centro-Oeste (FCO) e Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES).
É um jogo onde todo mundo ganha, segundo Sakai. O preso aprende um novo ofício, recebe até ; do salário mínimo e ainda acumula o chamado pecúlio (espécie de poupança com parte do ordenado). O empresário economiza até 50% na folha de pagamento, livre dos encargos fiscais e trabalhistas. ;E a economia do estado com a remissão da pena seria de R$ 40 milhões anuais, com a diminuição da pena por trabalho e estudo;, finaliza Sakai.
(*) Nomes fictícios
Juntas e em atividade, as máquinas de costura, corte e bordado compõem uma sinfonia no eco do galpão de 300 metros de extensão que, na percepção de Marina*, vai deixar saudade. Mas ela já sabe o que fazer para resolver esse problema. A um mês do fim da pena ; reduzida em um ano e três meses graças ao tempo de trabalho dentro da prisão ;, a detenta de 32 anos, ex-manicure e traficante, bate com firmeza a mão de unhas bem feitas sobre o tecido na máquina de costura: "Eu aprendi a costurar aqui. Minha vontade é montar minha confecção assim que eu sair. Consegui juntar um dinheirinho trabalhando". Marina, encarcerada no Complexo Penitenciário de Aparecida de Goiânia, a 250 quilômetros de Brasília, integra uma estatística muito pequena na superlotada realidade do sistema prisional brasileiro: apenas três em cada 100 presos se capacitam profissionalmente e deixam os muros das penitenciárias preparados para encarar outra vida que não a do crime. Como deixa escapar um agente, "na cadeia, nada é fácil. Se fosse fácil, chamava escola".
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Para escapar à tentação da ostensiva economia da droga depois do alvará, a profissionalização no presídio é a forma de apresentar outras possibilidades de geração de renda, reforça Débora Diniz, antropóloga e professora na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). "Infelizmente, o número de presos que estudam ou trabalham ainda é pouco significativo, o que pode ser explicado pela superlotação do sistema prisional brasileiro, ocasionando em uma demanda muito maior do que as vagas de estudo ou trabalho oferecidas", diz a especialista. Os dados mais recentes do Ministério da Justiça somam 574 mil presos em todo o sistema ; que oferece apenas 317 mil vagas. A diferença entre esses dois números são pessoas que se amontoam em celas insalubres Brasil afora. "A torto e a direito recebo ligação de gestor dizendo que a sala de aula teve de virar cela", lamenta Mara Fregapani Barreto, coordenadora-geral de reintegração social e ensino da Diretoria de Políticas Penitenciárias, vinculada ao ministério.
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Enquanto isso, quase metade da população carcerária no Brasil não tem sequer ensino fundamental completo (43,97% ou 236.519 presos), o que complica o quadro da educação para capacitação. Mas quando o professor do curso de construção civil para pedreiros do Senai Gilson Francisco Lopes, 46 anos, pega a apostila de matemática básica e fala sobre geometria, área do retângulo, do quadrado e do círculo, a turma atenta de 12 presos do semi-aberto balança a cabeça demonstrando que entendeu. "Lá fora não se dá valor às oportunidades de aprendizagem como aqui dentro. Eles se entregam e querem tanto mudar de vida que isso ajuda a superar as questões do conteúdo que ainda não aprenderam", compara. Os futuros pedreiros e pintores, na prisão em Aparecida de Goiânia, têm a promessa de contratação de uma construtora, assim que colocarem as mãos nos certificados de qualificação.
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Com um boneco de pelúcia entre as mãos ; produto do trabalho de alunos-detentos ;, a professora Graça Bandeira, 48 anos, em uma oficina para presos do regime fechado, conta: "Muita gente me disse que não teria coragem de trabalhar com eles, mas quando você percebe que o seu trabalho de fato consegue mudar a vida das pessoas, faz todo sentido". O grupo de sete alunos passa oito horas diárias costurando os moldes e recheando porcos, coelhos e ursos de espuma. Na parede de chapisco branca do galpão, alguém pichou, a giz azul, a referência bíblica: Salmo 70 ("Apressa-te, Senhor, a ajudar-me"). A ajuda, ou a profissionalização, no caso, foi demanda da JHJ, uma empresa privada que enxergou no sistema prisional oportunidade de construir trabalho social e de tirar proveito dos ganhos econômicos dessa prática.
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"É uma China isso aqui. Quem não quer redução nos gastos com mão-de-obra?", provoca Aristóteles Sakai de Freitas, 56 anos, superintendente de reintegração social e cidadania do sistema prisional em Goiás. Como o trabalho nas prisões é regido pela Lei de Execuções Penais (LEP) em vez da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o empregador está livre de encargos e vínculos que costumam onerar a folha de pagamento. "A economia vai de 30% a 50%, sem INSS, FGTS, multa rescisória, passivo trabalhista e outros", calcula Aline Alves de Aguiar, coordenadora de produção da Hering, pedindo desculpas por demorar a fazer a conta: "É tanto tempo aqui dentro que eu nem lembro mais". Desde fevereiro de 2009 a empresa mantém linha de triagem e empacotamento com presos provisórios em Goiás e em vários outros estados.
Dos galpões em Aparecida saem 30 mil peças diárias. Daniel*, 23 anos, um dos empacotadores presidiários, usa uma camiseta que faz piada com outra marca do setor: Tommy Vergonha, em referência à grife americana Tommy Hilfiger. A brincadeira soa como um recado para ele mesmo: o jovem vai e volta da cadeia desde os 18 anos e nunca tinha aprendido um ofício de verdade. Enquanto dobra calças de moleton, comenta que a disciplina é aprendizado diário: "Aqui a gente trabalha e tem rotina igual quem está lá fora. É importante porque quando você fica preso e sem aprender a fazer nada, começa a pensar e aprender o que não deve".
As empresas do Distrito Industrial de Aparecida foram instaladas em área doada pelo estado com o compromisso de que as indústrias empregariam os detidos. "Claro que isso não ocorreu na escala desejada porque seria penalizar o empresário, obrigando-o a empregar um preso sem qualificação", detalha Sakai. A equipe então pensou em um sistema que cumpra os objetivos da pena e gere oportunidades de educação profissional para reestruturar o convívio social, explica o superintendente: "Não há dúvida de que o trabalho é o que qualifica. É a única maneira de reverter o ciclo vicioso do preconceito e transformar a questão em um círculo virtuoso".
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Apenas 10% de toda a população carcerária no país se envolvem em algum tipo de atividade educacional, conforme os números mais recentes do Ministério da Justiça. Desses, 7% estão referenciados na rede pública de ensino: são, na maioria, alunos da Educação de Jovens e Adultos que estão se alfabetizando ou completando a educação formal. Os 3% restantes (ou 16.955) são os que, em 2013, tiveram oportunidade de fazer cursos oferecidos por outros parceiros como o Sistema-S e o Pronatec prisional.
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;Abrimos a primeira seleção do Pronatec para ofertar 90 mil vagas em janeiro de 2013;, conta Mara Fregapani Barreto, coordenadora-geral de reintegração social e ensino da Diretoria de Políticas Penitenciárias, vinculada ao Ministério da Justiça. Ela explica que desse número restaram 23 mil matrículas, em decorrência das dificuldades principalmente em conseguir ofertantes, como são chamados os parceiros que oferecem os cursos nas prisões. ;Mas temos que lembrar que antes disso tínhamos zero, então é fundamental reconhecer o avanço;, defende. Para 2015, a expectativa é fechar a demanda com 22.438 matrículas.
A política pública caminha também no sentido de criar alertas junto a agências de emprego para a reinserção dos egressos já capacitados no sistema. Outro foco é a criação de espaços específicos para as aulas e vivências práticas, desenvolvidos em parceria com técnicos do Ministério da Educação. ;Seria uma referência para criar um modelo de escola prisional. A ideia é chegar a 200 mil pessoas. Para aparelhar as unidades, seriam necessários entre R$ 800 e R$ 1 milhão;, explica Fregapani. O projeto foi desenhado para atender as necessidades de segurança do sistema prisional, normalmente o maior entrave logístico para a agilidade das aulas. A ideia é que o projeto chegue a 200 mil presos.
Fortalecer as parcerias com empresas privadas é o que norteia outro projeto, em andamento em Aparecida de Goiânia: a construção do primeiro polo empresarial dentro da área do sistema vai diminuir o tempo de deslocamento dos presos e facilitar o trabalho para mais de 20 empresas, com 4 mil vagas de emprego para os presos, de acordo com Aristóteles Sakai de Freitas, 56 anos, superintendente de reintegração social e cidadania do sistema prisional em Goiás. A infraestrutura de R$ 1,6 milhão corre por conta do estado e as construções dos galpões, de R$ 342 mil vem de recursos dos parceiros privados, via Fundo do Centro-Oeste (FCO) e Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES).
É um jogo onde todo mundo ganha, segundo Sakai. O preso aprende um novo ofício, recebe até ; do salário mínimo e ainda acumula o chamado pecúlio (espécie de poupança com parte do ordenado). O empresário economiza até 50% na folha de pagamento, livre dos encargos fiscais e trabalhistas. ;E a economia do estado com a remissão da pena seria de R$ 40 milhões anuais, com a diminuição da pena por trabalho e estudo;, finaliza Sakai.
(*) Nomes fictícios