Brasil

Entre expectativa e garantia de permanência, refugiados vivem no Brasil

Um grupo de cerca de 11,2 mil pessoas aguardam resposta do Estado brasileiro sobre a solicitação de refúgio

postado em 02/08/2015 20:14
;É uma situação que precisa de muito tempo para vocês daqui entenderem. É uma coisa que a gente se acostumou, mas não é normal, nada é normal lá;. O sorriso fácil e olhar sereno de Charly Kongo contrastam com sua história, que poderia ter sido abreviada. Nascido na República Democrática do Congo, ele decidiu não se calar diante das injustiças e foi às ruas. Uma série de ameaças contra sua vida o fizeram tomar uma decisão: deixar a vida e a família na África e morar no Brasil.

;O povo Bakongo saiu às ruas pedindo a justiça. Aí o governo, como de hábito, reprimiu. Muitas pessoas morreram, muitas desapareceram;, conta. Ameaçado de morte em um cenário político turbulento, ele deixou seu país em 2008. Um amigo sugeriu que Kongo fosse para o Brasil e se ofereceu para ajudá-lo na concessão de visto, pois tinha conhecidos na embaixada brasileira. Mesmo assim, a adaptação não foi fácil. Ele chegou no Brasil sem falar uma palavra em português.

Ao desembarcar no Rio de Janeiro, onde se estabeleceu, fez o que, segundo ele, todos os estrangeiros fazem em situações semelhantes, procurou seus conterrâneos. Brasileiros o ajudaram e o levaram para o centro da cidade, onde encontrou outros congoleses, como ele.

;Eu entendi que, sem falar o português, não teria como viver. Aí procurei estudar o idioma, comecei a fazer um curso na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e isso me ajudou a melhorar meu português. Depois,consegui um emprego fixo, no setor de hotelaria. No hotel, comecei na área de limpeza, hoje trabalho como mensageiro;.

Kongo esperou por oito meses a concessão de refúgio e hoje não pensa em voltar a morar em seu país natal, pelo menos em um futuro próximo. ;Gostaria de voltar à minha terra um dia, mas não por enquanto, vou esperar um pouquinho. Se Deus quiser aquele regime não estará mais lá;.

À espera de um ;sim; do país que escolheu

Nascido em Bangladesh, Nurul Amin, 32, também tem o desejo de se manter no Brasil mas, ao contrário do congolês, sua permanência ainda não é certa. ;A vida aqui é melhor do que lá. Todo mundo gosta do Brasil, o único problema é que não tenho os documentos da permanência ainda;. Ele chegou ao Brasil há dois anos para se afastar de uma situação política instável, e atrás de melhores salários.

A cada pergunta, Nurul Amin pensa, esboça uma resposta, para e retoma o raciocínio em seguida. Ainda aprendendo a falar português, cada palavra é pensada como uma equação. Às vezes uma palavra em inglês escapa, mas a comunicação não é mais a barreira que era. ;Cheguei aqui e não sabia pedir água ou pão. Era muito difícil, mas agora estou aprendendo, e não está mais tão difícil;.

Ele divide com outros três conterrâneos uma pequena casa nos fundos de um lote em Taguatinga, cidade satélite do Distrito Federal. E todos vivem situação parecida. Tropeçando no português, Rony Ahmed, 28; Joynal Abedin, 24; e Masarof Hossain, 26; vivem um dia de cada vez, em empregos informais, e ajudando um ao outro.

;Gosto do Brasil, o sistema [político] é muito bom, o país e o trabalho aqui são muito bons, as pessoas ajudam se você precisa;, disse Ahmed. Muito simpático e sorridente, ele explicou o principal motivo de cruzar o Atlântico e chegar ao Brasil há dois anos. ;Eu apoiava os líderes de oposição ao governo e já fui preso por isso. A polícia já me bateu e me prendeu por fazer oposição ao governo;, disse Ahmed, que também era eletricista em seu país, e hoje faz churrasco na rua para sobreviver.

Eles sonham obter o reconhecimento do refúgio para poderem trazer a família para o Brasil. Enquanto o primeiro tem esposa e um filho, Ahmed deixou a esposa na terra natal. Ao ser perguntado se pretende trazer a esposa para morar no Brasil, os olhos de Amin brilham de expectativa. ;Eu quero muito, muito trazer ela! Mas não tenho o refúgio ainda. Eu já estou há dois anos aqui, enquanto minha mulher está lá em Bangladesh, esperando. É muito difícil, triste;.

Amin e seus compatriotas fazem parte de um grupo de 11,2 mil pessoas que, segundo a Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), ainda aguardam uma resposta do Estado brasileiro sobre a solicitação de refúgio.

Não há prazo legal para que a decisão seja tomada pelas autoridades brasileiras. Com isso, só aumenta a angústia de quem aguarda uma definição sobre a própria vida. ;Com os documentos do refúgio, poderia visitar minha esposa por dois, três meses, depois voltaria. Mas, sem isso, não posso, não posso deixar o Brasil;, explica Amin.

De acordo com o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) o Brasil registra 7,7 mil refugiados reconhecidos. Pessoas de 81 nacionalidades já conseguiram refúgio no país. Os grupos que mais buscam refúgio no país vêm da Síria, Colômbia, Angola e República Democrática do Congo (RDC).

Os sírios representam 23% do total de refugiados reconhecidos no Brasil. ;O caso dos sírios pode ser explicado pela postura solidária do Brasil com as vítimas do conflito naquele país, inclusive por meio da aprovação da Resolução Normativa n;17 do Conare;, explica a Acnur, no documento ;Dados sobre o refúgio no Brasil;, divulgado no ano passado.

De acordo com o ministério da Justiça, todo cidadão estrangeiro que quiser se estabelecer no Brasil na condição de refugiado, deve fazer o pedido em qualquer posto da Polícia Federal ou autoridade migratória na fronteira. O solicitante recebe um protocolo provisório, válido por um ano e renovável até a decisão final sobre o pedido de refúgio.

De posse do protocolo, o estrangeiro já pode obter carteira de trabalho, CPF e acessar todos os serviços públicos disponíveis no Brasil. Em caso de indeferimento do pedido de refúgio, o estrangeiro pode recorrer ao ministro da Justiça. Outra possibilidade é um recurso junto ao Conselho Nacional de Imigração (CNIg), do Ministério do Trabalho, no caso de quem veio ao Brasil em busca de oportunidades de trabalho.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação