Rio de Janeiro, Brasil - Os povos originários do oeste do território brasileiro pedem aos compradores internacionais que boicotem a agricultura da região, "manchada de sangue de crianças indígenas" e marcada por um conflito mortal com os produtores.
"Estados Unidos, Ásia e Europa devem saber que parte da soja, da carne e do açúcar que lhes chega está manchada de sangue de crianças indígenas. Continuar consumindo é estimular mais crimes contra nossos povos", disse à AFP Lindomar Terena, coordenador de Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
O pedido de boicote, lançado há alguns dias, vem de seis povos indígenas apoiados por movimentos sociais, sindicatos e da Igreja brasileira, assim como da Anistia Internacional.
Os nativos pedem aos compradores estrangeiros que deixem de adquirir - através de gigantes brasileiros como JBS, Marfrig, Bunge e ADM - os produtos agrícolas do Mato Grosso do Sul.
Procuradas pela AFP, essas empresas não deram declarações.
41 assassinatos em 2014
Essa região, na fronteira com o Paraguai, é cenário de um conflito mortal entre os indígenas - particularmente guaranis - e os agricultores.
Algumas plantações e pastos foram reconhecidos como terras indígenas, mas a justiça demora em reintegrá-las às tribos.
Condenados a viver em estradas ou em bairros marginais, alguns indígenas decidiram reocupar os territórios, aumentando a tensão.
Em 2014, houve mais de 40 assassinatos de indígenas no Mato Grosso do Sul, segundo dados da CIMI, uma ONG que denuncia um genocídio. A última morte, de um jovem líder guarani, aconteceu em agosto deste ano.
Além dos homicídios, a taxa de suicídio dessa população é a mais alta do mundo, de acordo com a ONG Survival International: 232 para cada 100.000 habitantes em 2013.
A convocatória de um boicote internacional preocupa os agricultores da região, cuja riqueza se sustenta pelas exportações.
"É uma iniciativa completamente ridícula. Os indígenas estão sendo manipulados com o objetivo de enfraquecer nossa economia", denunciou à AFP Mara Caseiro, deputada local e filha de agricultores.
"Não existem capangas enviados pelos produtores; não há ataques contra as comunidades indígenas. Há entradas ilegais às propriedades privadas, o que gera conflitos", acrescentou.
"Doer no bolso"
Elpidio Guaraní decidiu em agosto, junto com outros habitantes, reocupar uma parte de uma propriedade. O julgamento sobre o estatuto dessa terra está suspenso desde 2013.
"Você vê essa cicatriz? Uma bala me atravessou o quadril em um ataque em setembro. Sei que a ordem veio de um produtor da região", contou no início de outubro em uma faculdade do Rio de Janeiro, onde buscava apoio para sua causa.
Outros porta-vozes indígenas viajaram para transmitir o o pedido de boicote à Alemanha, França e a Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington.
"Contamos com a opinião internacional, porque aqui o governo não tem a menor vontade de acabar com essa insegurança jurídica sobre as terras indígenas", disse Lindomar Terena.
"Qualquer tentativa de diálogo com a agroindústria, fracassa. A única solução é doer no bolso", acrescenta Edmilson Schinelo, do CEBI (Centro de Estudos Bíblicos) e um dos articuladores da campanha no Brasil.
O estado do Mato Grosso do Sul é um importante produtor de soja, milho, cana e carne. Exporta principalmente para China, Itália, Argentina e Holanda.