Jornal Correio Braziliense

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Por que tentar 'esconder' uma vítima de assédio não faz o problema sumir

MasterChef Junior praticamente não mostra a garota de 12 anos que havia sido atacada nas redes sociais, e internautas criticam atitude da emissora. Conta de outro programa da rede também ofende uma menina de 9 anos

Quando uma garota de 12 anos é alvo de assédio sexual em rede nacional, precisamos falar sobre isso. Valentina é uma das participantes do programa MasterChef Junior, da Rede Bandeirantes. Em 20 de outubro, durante a estreia do reality show que busca talentos infantis da culinária, as redes sociais escancararam a pedofilia por meio de perfis fakes. ;Se tiver consenso é pedofilia?;, postou um dos usuários. ;Viu o Penta do São Paulo, já aguenta;, retrucou outro.

O caso, que envolve assédio sexual e violência contra a mulher, colocou a criança no centro do debate. ;Safada; e ;vagabunda; foram alguns dos termos que levaram o nome da menina à lista dos tópicos mais comentados no Twitter.

[SAIBAMAIS]Se os comentários pedófilos vieram das redes sociais, a resposta na internet veio com mais força ainda. Do blog feminista Think Olga, partiu a iniciativa de fazer com que as mulheres falassem sobre a primeira vez que foram vítimas de assédio sexual. A hashtag #primeiroassédio gerou mais de 82 mil interações no Twitter até o início desta semana.

A campanha engajou personalidades, como a atriz Letícia Sabatella, e organizações, como o Unicef Brasil, que incentivou a denúncia de todo e qualquer caso de assédio. O assombroso resultado escancarou a cultura que cala meninas de todas as faixas etárias. Entre as histórias compartilhadas, a idade média do primeiro abuso foi de 9 anos.

Na contrapartida da mobilização na web, a emissora que transmite o programa parece ter se perdido na discussão. Depois de lamentar as "desagradáveis manifestações de extremo mau gosto" - expressão utilizada pela emissora para se referir à pedofilia em nota de repúdio -, a empresa optou por deixar Valentina em segundo plano na última terça-feira (27/10). A garota passou despercebida na edição do programa, inclusive na avaliação dos dotes gastronômicos.



Ao tentar tornar invisível a vítima de assédio, a emissora agiu ao lado dos opressores, que insistem em dizer que a culpa é da abusada. E, na mesma linha ;sem maldade;, até se juntou a eles. No mesmo dia em que a Band calou Valentina, o programa Pânico, que pretende fazer comédia por meio da objetificação da mulher, se referiu à outra participante do MasterChef Junior como ;panicat;, uma das assistentes de palco hipersexualizadas do humorístico. Sobre a ofensa a Aisha, de nove anos, a Band afirmou que a conta do Twitter do Pânico havia sido hackeada. A mensagem foi apagada posteriormente.



Por coincidência, a questão da violência contra a mulher saiu de frente das câmeras para o banco das escolas. No fim de semana, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) causou muita discussão ao incluir uma pergunta sobre a filósofa Simone de Beauvior, uma das maiores vozes do feminismo histórico, na prova de ciências humanas. A redação da prova também falava sobre o assunto.

Os números mostram a urgência da pauta. No Brasil, uma pesquisa realizada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em 2014 estima que 500 mil mulheres são vítimas de estupro a cada ano. Dessas, 70% são crianças e adolescentes, sendo que 51% são menores de 13 anos.

O debate público é fundamental para a garantia da mudança na estrutura social e o silêncio não é uma opção. Precisamos falar sobre Valentina. No Enem, nas redes sociais ou na TV, o enfrentamento é o que vai calar os opressores.