Luiz Ribeiro/Estado de Minas - Enviado especial
postado em 18/11/2015 11:41
A poluição por metais pesados, verificada em análises laboratoriais de amostras de água do Rio Doce após a contaminação por toneladas de lama que vazaram das barragens de rejeitos que se romperam em Mariana vai acarretar sérios danos à biodiversidade, contaminando peixes e alimentos produzidos na região, apontam especialistas. Pior: os efeitos da catástrofe chegarão também ao Oceano Atlântico, onde deságua o rio, gerando um ;desastre internacional;. É o que avalia o biólogo e pesquisador André Ruschi, diretor da Estação de Biologia Marinha Augusto Ruschi, de Aracruz (ES), uma das instituições de pesquisa ambiental mais antigas do país.
[SAIBAMAIS];O impacto na região marinha vai ser dezenas de vezes maior do que o que está ocorrendo ao longo do Rio Doce. O desastre no mar é crime internacional. É como se tivesse destruindo não o Rio Doce, mas o Rio Amazonas;, afirma Ruschi, salientando que a contaminação por metais pesados vai matar espécies marítimas, diminuindo a produção de pescados. Os rejeitos devem chegar ao mar até meados desta semana, depois de percorrer mais de 853 quilômetros.
Ontem, a lama atingiu a cidade de Baixo Guandu, no Espírito Santo. O nível de turbidez estava entre 10 mil e 50 mil NTU (Unidade Nefelométrica de Turvação), de acordo com o Serviço Geológico do Brasil (CPRM). A intensidade considerada normal é de 100 NTU.
Ruschi explica que os rejeitos atingirão um importante ecossistema, em uma área de reprodução marinha que se estende por cerca de 10 mil quilômetros quadrados, próximos da foz do Rio Doce. Muitas espécies, como baleias, marlins e tubarões, além de tartarugas, buscam aquela área para se reproduzir, tendo o Rio Doce como fornecedor de nutrientes. ;O litoral do Espírito Santo é a ;Amazônia marinha; do mundo. A região conta com uma grande biodiversidade que ajuda a processar a energia solar e filtra 15% do gás carbônico do planeta. Temos ali o maior banco de algas, calcário e corais do mundo;, diz o pesquisador , diretor da Estação Augusto Ruschi, acrescentando que, se o ecossistema morrer, pode haver significativo aumento na temperatura do planeta.
Ele observa que, além de peixes, outras espécies da fauna marinha serão afetadas, e avalia que os efeitos da poluição poderão ser sentidos durante séculos. ;Se retirarem a lama do fundo do rio, os danos vão demorar 100 anos para ser recuperados. Se não, o meio ambiente vai demorar 1.500 anos para voltar ao que era antes da tragédia;, afirma.
A presença elevada de metais pesados no Rio Doce foi constada em análise feita pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) de Baixo Guandu (ES). O Estado de Minas recebeu cópia do laudo, que aponta a contaminação por arsênio em 263 vezes acima do permitido, sendo observada também a concentração elevada de outros elementos como chumbo, manganês, alumínio, bário e cromo. Isso contraria a alegação da Samarco de que a lama não é tóxica. A presença de metais pesados também foi constatada em análises do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam).
Alimentos O biólogo Ricardo Motta Pinto Coelho, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais , reforça a avaliação dos que alertam para a destruição da vida no Rio Doce. Ele vê risco de contaminação de alimentos. ;Isso pode gerar um problema de saúde pública, a partir do momento em que as pessoas se alimentarem de peixes ou produtos de hortas cultivadas em áreas próximas do rio, também sujeitas à contaminação;, explicou.
Entrevista
Marcos Freitas - Coordenador do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais
"O maior acidente da história"
A tragédia de Mariana é o pior acidente da história mundial em volume de rejeitos de mineração. Os 62 milhões de metros cúbicos de lama são duas vezes e meia mais que o segundo pior desastre do setor, em 2014, na mina canadense de Mount Polley. A afirmação é do pesquisador Marcos Freitas, coordenador executivo do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais, vinculado ao Instituto de Pós-Graduação e Pesquisas de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Um dos criadores do Grupo de Recomposição da Bacia do Rio Doce, iniciativa acadêmica que surgiu após o desastre, ele falou ao Estado de Minas sobre a catástrofe.
Como o senhor avalia a tragédia?
Foi o maior acidente da história da mineração no mundo em volume de material, ainda que não em número de mortes, normalmente usado para medir a gravidade de tragédias como essa.
Qual a dimensão dos danos?
São difíceis de dimensionar. Primeiro, temos de considerar a área de um raio de 30 quilômetros das barragens onde houve uma grande destruição, atingindo a fauna e flora de forma agressiva. As espécies foram mortas tanto por asfixia quanto por envenenamento. Depois, a poluição atingiu toda a Bacia do Rio Doce, o leito e as margens.
Quanto tempo levará a recuperação?
É dificil prever. Será preciso um esforço de todos os órgãos e elaborar um projeto bem planejado. Primeiro, é necessário cuidar da qualidade da água, para garantir o abastecimento das cidades e a dessedentação de animais. Depois, vêm as outras etapas de recomposição da fauna e da flora. É preciso avaliar também o aspecto da contaminação do solo.