Sandra Kiefer
postado em 04/12/2015 07:53
Mariana, Minas Gerais - Depois de quase um mês avaliando informações e documentos sobre a maior tragédia ambiental do Brasil, que devastou 80% do Vale do Rio Doce e vitimou 13 pessoas, sendo que oito continuam desaparecidas, o promotor de Justiça Carlos Eduardo Ferreira Pinto, coordenador do Núcleo de Resolução de Conflitos Ambientais (Nucam) do Ministério Público de Minas Gerais disse ontem ;que a mineradora Samarco fez uma série de reparos na Barragem de Fundão, comparados a remendos, que não eram informados aos órgãos de defesa ambiental e que às vezes sequer tinham projetos, mas que tornaram comprometidas as condições de segurança da estrutura;.
[SAIBAMAIS]Embora ainda não esteja concluído o laudo técnico que vai apontar a causa da tragédia de 5 de novembro ; previsto inicialmente para ser entregue em 30 dias ; o mais provável, segundo o coordenador do Nucam-MG, é que o desastre não tenha causa única. ;Um rompimento não acontece por acaso e por uma só ação. Existe uma estrutura com uma potencialidade grande, que tem de ter necessariamente um controle proporcional de monitoramento, inspeção e fiscalização. Esse é o ponto fundamental a se abordar. As causas acabam ficando em segundo plano;, afirmou.
Para o coordenador, que administra a força-tarefa formada por promotores e especialistas desde o dia seguinte à tragédia em Mariana, trata-se de uma ;somatória de ineficiências;: ;Tem-se um licenciamento ambiental frágil, em que não se analisam nem se avaliam os impactos ambientais na proporção necessária, a ausência de estudos relevantes por parte do empreendedor, a ausência de monitoramento adequado, de inspeções e de fiscalizações por parte do poder público. Então, há uma somatória de ineficiências de um sistema que leva à operação de um empreendimento sem o necessário acompanhamento rigoroso por parte do poder público;.
Entre as intercorrências, fatos e incidentes que ocorreram na barragem, Carlos Eduardo Ferreira Pinto cita como intervenções uma galeria que teria se rompido e um afloramento de água (surgência) em determinado ponto da estrutura, que exigiram a tomada de medidas de emergência pela mineradora. As alterações na estrutura feitas no projeto inicial da Barragem de Fundão (esse sim licenciado e aprovado na construção, há 10 anos, e renovado em 2013, com voto de abstenção do MP mineiro no Copam) nem sempre passaram pelo crivo dos diversos órgãos ambientais. ;Deixa-se de investir em segurança e monitoramento e contratam-se várias empresas terceirizadas para fazer o serviço, sendo que elas não conversam entre si. O mais grave é que se cumpre o monitoramento dos órgãos ambientais de maneira muito formal;, disse Carlos Eduardo Ferreira Pinto.
O promotor liga o computador e vasculha pilhas de documentos, em busca de dados que demonstrem o que diz. ;Um exemplo clássico disso é o monitoramento prestado junto à Feam (Fundação Estadual do Meio Ambiente), que é preenchido on-line. Veja bem: a empresa preenche na internet uma declaração das condições de estabilidade da sua represa.; Segundo o promotor, a Feam só teve acesso ao relatório de inspeção regular integral 13 dias depois do acidente.
O autor da ação civil pública lembra ainda que a responsabilidade sobre a produção do documento da auditoria interna das barragens nas empresas, em geral por falta de condições técnicas dos órgãos ambientais, é entregue às próprias empresas, obrigadas a manter a Feam informada, de acordo com a Lei de Segurança das Barragens. De fato, o laudo da auditoria a cargo da empresa Vogbr confirma as condições de estabilidade da barragem, mas recomenda que ;a Samarco deverá alterar a Carta de Risco desta estrutura, pois os alteamentos (elevações) são constantes, numa taxa de 20 a 25 metros por ano;.
Na comparação com a inspeção feita no ano anterior, o documento sugere dar continuidade ao ;monitoramento e inspeções periódicas na barragem e manter a poda da vegetação nos taludes jusantes;. Novas medidas devem ser colocadas em prática, como ;realizar ensaios para avaliar a permeabilidade dos materiais;, ;construir ou restaurar canaletas; e ;retirar o acúmulo de água no pé do barramento;. Meses antes, a Feam havia sido informada apenas de um resumo dessas condições do relatório integral de Fundão.
O promotor resume as impressões do trabalho de investigação: ;Imagine uma estrutura muito pesada, cheia de remendos, sem a necessária autorização dos órgãos ambientais, em que se altera o projeto executivo. Isso forma uma série de conjunturas que comprometem a operação de segurança;, afirmou.
Licenciamento
Em nota, a Samarco afirmou que todas as suas barragens ;possuem licenças de operação concedidas pela Superintendência Regional de Regularização Ambiental ; órgão que, nos recorrentes processos de fiscalização, atesta o comportamento e a integridade das estruturas;. Segundo a companhia, a última fiscalização ocorreu em julho de 2015 e indicou que as barragens se encontravam em totais condições de segurança. ;A Samarco também realiza inspeções próprias, conforme Lei Federal de Segurança de Barragens, e conta com equipe de operação em turno de 24 horas para manutenção e identificação, de forma imediata, de qualquer anormalidade;, acrescentou.
Já a Feam informou que a Barragem do Fundão foi auditada em julho de 2015, com relatório de auditoria entregue em setembro. ;Nessa avaliação, o auditor (independente) concluiu pela estabilidade da estrutura, apontando recomendações relativas à estabilidade física. O cronograma para implantar essas recomendações iniciou-se em 10 de setembro, com previsão para conclusão variando entre 31 de dezembro de 2015 a 31 de dezembro de 2016;, declarou a fundação, em nota, acrescentando ter fiscalizado a estrutura em outubro de 2014.
A fundação afirma ainda que, segundo a Política Nacional de Segurança de Barragens, ;o empreendedor é o responsável legal pela segurança da barragem, cabendo-lhe o desenvolvimento de ações para garantir sua estabilidade;. Segundo a mesma legislação, prossegue a Feam, a fiscalização da segurança das estruturas cabe à entidade que outorga direitos de mineração, no caso o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).