Brasil

Famílias desalojadas na tragédia de Mariana tentam celebrar Natal

As 303 famílias desalojadas no rompimento da Barragem do Fundão tentam reunir forças para celebrar após a onda de perdas. Parte não recebeu auxílio e várias continuam em hotéis

Paulo Henrique Lobato
postado em 22/12/2015 09:54

Amanda Carmo com a filha Dafine: família não poderá comemorar unida, como de costume, e ainda enfrenta falta de dinheiro já que a Samarco ainda não pagou auxílio


Mariana, Minas Gerais ; A alegria da pequena Dafine diante da colorida árvore de Natal é um contraste à tristeza que aflige o coração da mãe dela, Amanda Carmo, de 17 anos: ;As festas deste fim de ano não terão a mesma graça. A família, acostumada a comemorar unida, estará dividida;. A jovem morava em Bento Rodrigues, o primeiro povoado devastado pela avalanche de lama de rejeitos de minério da Samarco, em 5 de novembro, em Mariana. Às vésperas do Natal, as 303 famílias desalojadas (1.129 pessoas) de seis distritos da cidade colonial tentam reunir forças para celebrar a data.

[SAIBAMAIS]Quase 50 dias depois da maior catástrofe ambiental do Brasil, mais de 70 famílias que perderam suas casas não receberam, até ontem, o auxílio mensal prometido pela mineradora ; um salário mínimo (R$ 788), mais 30% por dependente e o correspondente ao valor de uma cesta básica (R$ 388). Algumas dezenas delas continuam hospedadas em quartos de hotéis ou pousadas alugados pela Samarco, que obteve lucro líquido de R$ 2,8 bilhões em 2014.

;Quando preciso comprar algo, peço à minha mãe um dinheiro emprestado. A Samarco me deu previsão de quando irei recebê-lo;, cobrou Amanda, cujo marido ganha a vida como pedreiro no lugarejo. Hoje, ele garimpa uma vaga no mercado de trabalho. Ontem, Amanda e outras vítimas foram ao centro de distribuição de donativos atrás de mantimentos, garrafas de água, brinquedos e materiais de limpeza.

Muitos pais levaram os filhos. Enquanto a criançada se divertia escolhendo bonecas e carrinhos, os adultos listavam aos voluntários o estoque para os próximos dias, pois o lugar ficará fechado das 14h de quarta-feira à manhã de 28 de novembro. A colorida árvore que chamou atenção de Dafine foi montada lá. Neste Natal, a casa dela não terá enfeites típicos da data.

A ceia também não será farta como a de anos anteriores. Aves e outras criações que os desalojados costumavam abater nesta época do ano foram levadas pelo tsunami de lama.

O sorriso do pequeno Antony ao receber um velotrol doado deu um pequeno alento à mãe, Ana Paula;Vamos juntar a família, tentar um Natal alegre. Mas sei que não será como antes;, prevê Ana Paula Ferreira, de 22. Ela também esteve no centro de distribuição de donativos na esperança de encontrar um colchão. Conseguiu. Ainda levou para a casa um velotrol usado para o filho, Anthony, de 9 meses. O sorriso do menino deu uma pitada de alento à mãe.

Mas a família dela não estará completa neste Natal, pois os dois cães de estimação, o Valente e o Jack, foram levados pela enxurrada de minério. ;A Lilica, uma maritaca, também não sobreviveu. Assim como os passarinhos que criávamos;, recordou Ana Paula, acrescentando que muitos desalojados são alvos de comentários maldosos. ;Há quem diga que a mineradora está fazendo por nós mais do que deveria. Não! E minha casa?;, questionou.

Dona Joelma Souza, de 25, também ouviu comentários maldosos. Ela era a dona do bar onde os moradores de Bento Rodrigues dançavam forró nos fins de semana. ;Havia montado o estabelecimento há dois anos. Meu estoque estava cheio quando ocorreu o desastre, pois haveria uma festa no sábado seguinte. Perdi tudo;. Só não perdeu a fé, mas ela faz questão de dizer que este Natal não terá a mesma alegria dos anteriores. Será a primeira vez que ela celebrará a data longe do lugarejo.

;A família toda se reunia na casa de minha avó, dona Orides da Paixão, que tem mais de 90 netos, bisnetos e tetranetos. Não terá mais doce de jacatiá, que é uma árvore parecida com o pé de mamão. A gente abria o tronco, retirava o alimento, como se faz com o palmito. Todo mundo ajudava. A gente ralava, deixava na água, misturava com açúcar e fervia no fogão a lenha. Não temos mais o fogão a lenha. Não terá jacatiá neste Natal;, reclamou Joelma. Ela ainda não pôde comprar a guloseima, pois também não recebeu o cartão com auxílio mensal.


;Dizem que vai chegar esta semana. Mas o triste mesmo é que não teremos como reunir a família para as festas de fim de ano;, lamentou Joelma, que ontem passou parte da manhã no centro de distribuição de donativos. Ela voltou para casa com algumas sacolas plásticas com brinquedos para o filho, de 8 anos, e sobrinhos. Ficou mais de meia hora aguardando carona para chegar em casa. No fim, concluiu: ;A gente não merecia um Natal assim;.

Força-Tarefa
Representantes das dioceses de cidades mineiras e capixabas atingidas pela lama da Samarco vão afinar os trabalhos em recuperação do meio ambiente e da ajuda às vítimas. A pauta será discutida, hoje, numa reunião em Mariana. ;Queremos, ainda, discutir ações comuns que sejam assumidas em conjunto pelas dioceses;, disse o coordenador de pastoral da arquidiocese da cidade histórica, padre Geraldo Martins Dias. A reunião será presidida pelo arcebispo de Mariana, dom Geraldo Lyrio Rocha.

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