Mateus Parreiras/Estado de Minas
postado em 30/12/2015 09:30
Pescadores afetados pela lama da Barragem do Fundão, em Mariana, na Região Central do estado, denunciam que estelionatários estão se infiltrando irregularmente em cadastros para receber o benefício mensal pago pela Samarco a quem teve casas e atividades de subsistência interrompidas pelo tsunami de rejeitos de minério. Em Regência Augusta, distrito de Linhares (ES) onde o Rio Doce tem sua foz, eles estão indignados por perceberem que poucos conseguiram ter acesso ao dinheiro indenizatório enquanto pessoas que têm essa atividade em outro manancial não atingido e até fraudadores que não pescam e usam documentos de pescadores falecidos estão se apoderando dos benefícios. Em Minas Gerais, pessoas que se passaram por moradores de áreas afetadas e entraram nos cadastros foram identificadas e desistiram de requerer o dinheiro para não ser processadas por estelionato.De acordo com o promotor Guilherme Meneghim, da Promotoria de Direitos Humanos de Mariana, pelo menos três casos de famílias residentes em outros distritos de Mariana que não foram atingidos pela onda de lama e rejeitos de minério que vazaram da barragem do Fundão, em 5 de dezembro, chegaram a ser cadastrados para receber o benefício de um salário mensal acrescido de 20% para cada dependente. ;A própria Samarco desconfiou e me procurou. Numa reunião que tive com os atingidos, deixei bem claro que quem recebesse essa indenização de forma irregular poderia ser preso por estelionato. Essas três famílias perceberam isso e deixaram o cadastro por medo da punição;, afirma o promotor, ressaltando que, além de crime, esse tipo de atitude é imoral e prejudica quem realmente precisa desse dinheiro para sobreviver.
Segundo o vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica da Foz do Rio Doce (CBH-Foz do Doce), Carlos Sangalia, os 188 pescadores dos distritos de Povoação e Regência Augusta, que compõem a foz do manancial no mar do Espírito Santo, estão tendo dificuldades para receber essa bolsa de indenização. ;Percebemos que os pescadores de lagoas e gente que nem sequer tem na atividade o ganha-pão estão recebendo o dinheiro, prejudicando quem precisa e não pode pescar porque o rio e o mar estão interditados até que se saiba se há contaminação;, afirma.
Sangalia critica a maneira como a Samarco criou o cadastro. ;Não houve triagem prévia. Qualquer um com carteira de pesca profissional está conseguindo receber e tem pessoas que a gente nem sabe quem são e que apareceram para conseguir um dinheiro extra. Um absurdo e que cabe ao Ministério Público checar como está sendo feito isso para que os pescadores que realmente precisam não sejam prejudicados;, denuncia.
O presidente da Associação dos Pescadores de Regência, Leônidas Carlos, afirma que os pescadores estão revoltados com a situação. Segundo seus levantamentos, dos 88 pescadores cadastrados na associação de Regência, apenas 15 estão recebendo a indenização. ;Os cartões com a bolsa estão indo diretamente para as mãos de gente que não foi afetada e não é pescador. Pelo que estamos vendo são pelo menos uns 50 beneficiados indevidamente. Avisei à Samarco, mas eles não quiseram levar em consideração o nosso cadastro. Pagaram um pessoal deles para fazer esse levantamento e agora está dando nisso. Tem gente até usando carteira de pescador que já morreu para receber (o benefício);, reclama Carlos.
O problema tem deixado os trabalhadores ainda mais aflitos, já que com a chegada do fim de ano vão ser interrompidas as atividades que a Samarco encontrou para empregar os pescadores, como o monitoramento das boias de contenção contra a contaminação dos igarapés pela lama. ;As boias já foram até removidas. Até por que não adiantaram nada: a lama passou do mesmo jeito para a área de desova dos peixes e de criação dos caranguejos;, afirma o presidente da associação dos pescadores.
Punição
De acordo com o promotor Guilherme Meneghim, de Mariana, quem for pego recebendo o benefício pode ser preso por estelionato, que prevê pena de um a cinco anos de detenção e multa. ;No caso, a Samarco pode acionar a polícia, que investiga o caso e prende os suspeitos. Mas pode também informar a situação ao Ministério Público para que providências sejam tomadas;, disse.
A Samarco foi procurada, mas não comentou sobre as denúncias de fraudes, se limitando a informar, por meio de nota, que desde 10 de dezembro deu início à distribuição dos cartões de débito aos pescadores e ribeirinhos cuja subsistência foi impactada em 37 municípios. ;Este é o primeiro passo do Programa de Atenção Social aos Pescadores e Ribeirinhos da mineradora, em parceria com o Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalho, com quem a empresa assinou um Termo de Ajustamento de Conduta;, diz nota da companhia. ;A empresa responsável por tal projeto é a Golder Associates Brasil Consultoria e Projetos, que está realizando uma avaliação socioeconômica dos municípios e grupos sociais afetados. A conclusão desse estudo será o principal sustentáculo do Plano de Mitigação de Impactos e Compensação Social;, acrescentou o texto.
Segundo a Samarco, o processo de pesquisa, cadastramento e conferência dos dados coletados segue de forma conjunta com a entrega dos cartões para os demais beneficiados. A previsão de término do cadastramento é fevereiro de 2016, mesmo prazo para que todos os pescadores e ribeirinhos contemplados pelo programa recebam seus cartões.