Agência Estado
postado em 10/02/2016 10:48
Depois de surpreender autoridades e cientistas ao apresentar em novembro os primeiros exames que identificaram a infecção do vírus zika em bebês com microcefalia, a obstetra Adriana Melo voltou a provocar alvoroço. Em janeiro, publicou em parceria com a pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz Ana Bispo um estudo que aponta possível relação entre zika e outra má-formação rara, a artogripose, uma doença que se caracteriza por graves deficiências nas articulações. Os achados, considerados valiosas pistas no quebra-cabeça que se transformou a epidemia, foram resultado do inconformismo da médica, que nunca gostou de ficar com uma dúvida sem resposta.[SAIBAMAIS]A inquietação tomou conta da obstetra quando recebeu em seu consultório duas gestantes que apresentavam embriões com deficiências na formação do cérebro, em Campina Grande, onde mora e trabalha. "Em 17 anos de experiência, nunca havia visto nada parecido, era diferente de outras má-formações", conta. O cerebelo, responsável pelo equilíbrio e capacidade motora, era praticamente inexistente.
Pediu para pacientes voltarem. Em outro exame, identificou a presença de calcificações no cérebro - uma reação geralmente encontrada em processos infecciosos. Dias depois, recebeu em um grupo de Whats App informações sobre aumento do número de crianças com microcefalia e uma possível ligação com zika. Era o que faltava para fechar o círculo."Achava que a coisa mais natural seria pesquisar a presença do vírus nos embriões. Cheguei a sugerir, mas não recebi resposta." Diante de sua impaciência, um colega sugeriu: "Seu papel é apenas notificar, aguarde as pesquisas".
Adriana não aceitou. "Nunca deixei paciente sem resposta."Diante de seu inconformismo, ela foi apresentada a uma médica paraibana que trabalha na Fiocruz e, daí, foi um passo até chegar a Ana Bispo. "Ficamos duas horas conversando. Ela disse como devia proceder para enviar o material", recorda. As mães toparam, o material foi coletado, congelado e despachado para a Fiocruz."
Neste intervalo, Adriana aproveitou um curso que faria em São Paulo sobre medicina fetal, levou os casos para discutir com o médico Gustavo Malinger, da Universidade de Tel Aviv. Ao ver os casos, foi feita a sugestão de que mães fossem examinadas pela equipe. A prefeitura de Campina Grande pagou as passagens, as gestantes aceitaram e, durante o fim de semana, várias discussões e análises foram realizadas. O resultado saiu dias depois, deixando aturdidos especialistas e Ministério da Saúde.
Criticada por pares de que pesquisas não são suficientes, Adriana fala com tranquilidade. "Estou apenas trazendo para todos achados que considero importantes."
Nova rotina
Depois disso, sua vida profissional mudou."Fico sempre pensando: será que hoje terei de dar diagnóstico para alguma mãe?" Embora essa tenha se transformado numa tarefa cada dia mais comum, ela diz que não se acostuma com o peso emocional. "É todos os dias como se puxasse o tapete da paciente. Hoje, no consultório há um clima de terror. Vejo nos olhos delas o pensamento: ;Será que sou a próxima vítima?;" A clássica pergunta "é menino ou menina?" foi trocada para "qual o tamanho da cabeça?"
Por enquanto, a única ajuda que conseguiu na pesquisa foi o empréstimo de uma máquina de diagnóstico. "Há ainda muitas perguntas a serem respondidas. Enquanto tiver ideias de formas sobre como tentar solucioná-las, vou pesquisar." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.