Jornal Correio Braziliense

Brasil

Ruínas de Bento Rodrigues revelam comunidade petrificada, após lama

Um semestre depois de ocorrido o maior desastre socioambiental do país, lugarejo mais afetado é hoje um povoado fantasma, tingido de lama e sepultado por barro seco



Os sons perturbadores da natureza devastada, agora, não passam de sussurros que passam despercebidos a ouvidos desatentos. Não porque o pacato distrito tenha recuperado seus ares interioranos, mas porque as máquinas pesadas da Samarco trabalham 24 horas por dia revolvendo solo e pedras, em obras na área onde foi construído um dique de retenção para impedir que mais lama chegue ao Rio Gualaxo do Norte.

O casario na parte superior de Bento já não tem mais janelas, portas ou móveis. O que não foi saqueado foi retirado por moradores que sobreviveram. Na paisagem devastada só há caminhos onde os tratores da Samarco abriram ruas. Nas casas, ainda existem inúmeras marcas da violência da onda de detritos, como móveis atirados em quintais, eletrodomésticos dependurados em telhados e veículos esmagados. As construções foram tingidas pela lama, ganhando uma tonalidade ocre que as transformou em um labirinto de ruínas de cor uniforme.

Nesses caminhos, os relatos dos sobreviventes ganham vida. É inevitável pensar neles enquanto se olha para as casas mais altas, que serviram de abrigo na hora da emergência. Quando se chega à Escola Municipal Bento Rodrigues, dá para imaginar a correria de alunos e professores, que deixaram quadros meio escritos e cadernos para trás. Um livro de ponto dos professores com suas páginas de papel endurecidas pelos rejeitos vai sendo folheado pelo vento, que de rajada em rajada levanta nuvens de poeira.

Durante o dia, o movimento no vilarejo se dá apenas nas áreas onde trabalham operários e arqueólogos, que escavam as ruínas da antiga capela de São Bento e suas muralhas do século 18. À noite, mesmo com o som interminável do maquinário, os ruídos entre as construções são sons de uma cidade-fantasma: pedaços de telhas e lajes que se desprendem, do vento fazendo bater janelas que não serão mais fechadas e de cães vadios que ainda perambulam pelas ruínas.