Quando Cláudia Medeiros ouviu a notícia do desabamento de parte da Ciclovia Tim Maia, em São Conrado, no feriado de 21 de abril, e soube que havia duas vítimas, sentiu um misto de angústia e alívio. Moradora do Leblon, sempre insistia para que a filha de 18 anos fosse andar na ciclovia. E a moça nunca quis. ;Nesse dia que caiu a ciclovia, me veio uma sensação, uma angústia, porque imagina se tivesse sido minha filha. Me deu uma falta de ar, uma revolta;. Inaugurada em janeiro deste ano, a obra teve investimentos de R$ 44 milhões.
Para que o acidente não caia no esquecimento, Cláudia e o amigo Beto Góes decidiram convocar pelo Facebook um ato neste domingo (15) no Mirante do Leblon, não só para cobrar justiça pela morte do engenheiro Eduardo Marinho de Albuquerque e do gari Ronaldo Severino da Silva, vítimas do desabamento, mas também para criticar o descaso em relação à qualidade da obra. Segundo especialistas, não teria sido observado devidamente o impacto do mar naquela área, em períodos de ressaca.
[SAIBAMAIS]
Como não há ainda uma resposta oficial e definitiva sobre a tragédia, Cláudia resolveu criar esse ato. ;A sociedade nunca vai evoluir se não fizer cobrança;, destacou. Na terça-feira (10), Cláudia ligou para a subprefeitura, a fim de comunicar a realização da manifestação e saber se havia interesse em enviarem representantes para se posicionar a respeito. No dia 12, para sua surpresa, recebeu uma ligação do prefeito Eduardo Paes, convidando-a para ir ao seu gabinete. Ele prometeu relatar o passo a passo das investigações. Cláudia preferiu, porém, receber primeiro os dados por e-mail, conversar com amigos e só então agendar a entrevista com Paes. "É preciso que a prefeitura tenha um canal direto com a população para dirimir dúvidas", cobrou.
O gerente comercial e ciclista Bruno Martins estava passeando na orla e aderiu de imediato à iniciativa, que definiu de ;nobre;. ;Foi um desastre total [o desabamento da ciclovia], não deveria ter acontecido. A ciclovia deveria ter sido construída de outra forma e os responsáveis [pela tagédia] têm que pagar;. Martins lembrou que o acidente resultou em duas mortes por motivo fútil. Ele passou em São Conrado dez minutos depois do acidente.
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Beto Góes, comerciante e parceiro de Cláudia Medeiros na organização do protesto, ressaltou que a questão principal no acidente é o descaso com o cidadão, com o dinheiro público, com a vida de outras pessoas. ;A grande problemática é essa. Um assunto totalmente abafado, duas vidas que se perderam, um dinheiro absurdo que não tem uma explicação. Não tem ninguém que tenha sido responsabilizado até agora;, acrescentou Góes.
Para o presidente da Federação de Ciclismo do Estado do Rio de Janeiro (Fecierj), Cláudio Santos, toda a mobilização em prol do ciclismo e da mobilidade com segurança é "perfeitamente plausível e até louvável;.
Santos disse que mais movimentos e protestos como esse devem ser feitos. ;É ciclovia mal feita", disse. "É falta de segurança no dia a dia, não só na questão do trânsito, mas principalmente em termos de roubos e furtos de bicicletas. É o conjunto da obra. A coisa está muito ruim;, completou.
O presidente da Fecierj defendeu que a prefeitura do Rio tem de ser cobrada pelos erros e que o Ministério Público tem de ser acionado. ;E que as pessoas façam a coisa certa para que a bicicleta seja uma opção segura de transporte;.
Nota
Em nota divulgada neste domingo, a prefeitura do Rio informou que, além de estar à disposição da polícia para prestar todos os esclarecimentos, contratou auditoria independente do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ) e do Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias (INPH) para apurar o ocorrido.
;Enquanto as investigações que apontarão os responsáveis pelo acidente estão sendo realizadas, decreto publicado em 27 de abril no Diário Oficial garantiu o afastamento das empresas Contemat Engenharia e Geotecnica S/A e Concrejato Serviços Técnicos de Engenharia S/A de todos os processos de contratação e licitação de obras de estrutura no município. Todos os pagamentos destinados às duas empresas estão retidos desde então. O decreto também determinou que os responsáveis técnicos do consórcio para a obra da ciclovia sejam afastados de qualquer contrato firmado com a prefeitura. Comprovada a responsabilidade das empresas, elas serão consideradas inidôneas na forma da lei;, conclui a nota.